Setúbal foi uma boa surpresa para mim. Moro em Lisboa há vários anos e por isso esta cidade sempre esteve integrada naquele conjunto de possibilidades de passeio de fim de semana. Mas na verdade sempre explorei mais os arredores (Sesimbra por exemplo) do que propriamente a zona mais central. Desta vez foi diferente.
Desafiada pela Câmara Municipal de Setúbal fui passar o fim de semana completo (entre 6ªfeira e domingo), em família, ao centro da cidade. Descobri história, explorei os cantos e recantos das ruas mais antigas que eu tanto gosto, admirei uma das baías mais bonitas do mundo de perspetivas diferentes, comi e bebi super bem. Deixo-vos 10 razões para fazerem o mesmo que eu.
1 – Mercado do Livramento
Na avenida principal de Setúbal, que tem o nome de Luísa Todi, uma das maiores artistas líricas do seu tempo, encontramos um marco incontornável da cidade e até me atreveria a dizer, do país. Estou a falar do Mercado do Livramento, como talvez alguns de vocês já devam saber e conhecer. Além de se localizar no coração de Setúbal, é um espaço muito bonito, de encontros e desencontros das gentes da terra.
A história deste mercado começou no ano de 1876, quando foi construído o espaço original, bem mais pequeno do que o que conhecemos hoje em dia. A crescente necessidade de haver mais bancas (ou pedras), levou à construção de um novo espaço, já com tamanho suficiente para 470 vendedores de peixe, hortaliças e outros produtos agrícolas. Perante este número, que se mantem até hoje, conseguem imaginar o reboliço que por ali se vive.
Da altura da construção deste “novo” mercado são também os vários conjuntos de azulejos que dão vida à estrutura. Ao longo dos corredores de acesso e também numa fachada gigante do corpo principal (o mais conhecido) somos acompanhados por imagens alusivas às atividades realizadas na terra e no mar, como quem diz, na pesca e na agricultura.
É assim, rodeados da história de Setúbal, que compramos legumes e peixe fresco, bebemos um café e trocamos dois dedos de conversa.
2 – Bocage
Além de Luísa Todi, é obrigatório referir quando falamos de Setúbal, uma outra figura. Trata-se de Manuel Maria Barbosa du Bocage, um famoso poeta português, que também nasceu nesta cidade, muito provavelmente no local onde é hoje a casa-museu com o seu nome. Mas Setúbal vai mais longe na homenagem ao “seu” poeta e fez do seu dia de nascimento feriado municipal.
Ao percorrermos as ruas da cidade sentimos a presença desta ligação, pela centralidade e importância da praça com uma estátua em sua homenagem, pelo nome atribuído a hotéis, restaurantes e várias outras lojas. Mas também por todas as iniciativas que o município desenvolve ao longo do ano que de alguma forma contribuem para o conhecimento deste poeta.
3 – Convento de Jesus
O Convento de Jesus foi fundado por Justa Rodrigues Pereira, ama do Rei D. Manuel I. Ela estava a viver com familiares em Setúbal e diz-se que devido a um voto que fez, comprou um terreno, pediu autorização ao papa e ao rei vigente e mandou construir aquele que viria a ser o primeiro edifício de estilo Manuelino em Portugal. Ao longo dos anos (e dos reis portugueses) o projeto que foi inicialmente pensado foi crescendo, com obras de ampliação, até ao que conhecemos hoje.
Com o grande terramoto de Lisboa, que também foi sentido em Setúbal, o edifício sofreu alguns estragos, mas felizmente foi restaurado e recuperada toda a sua imponência. Hoje em dia encontramos aqui uma mistura muito interessante entre o antigo e o moderno. Por exemplo, onde “ontem” as freiras franciscanas realizavam as suas refeições, hoje é um restaurante onde é possível degustar produtos regionais num contexto elegante, bonito e que soube manter todas as memórias.
4 – Museu do Trabalho Michel Giacometti
O Museu do Trabalho Michel Giacometti, foi um dos sítios mais interessantes que conheci na cidade de Setúbal, pelo que recomendo mesmo muito uma visita. Gostei particularmente de aprender sobre a história da indústria conserveira e de toda a sua evolução ao longo dos anos.
Este espaço localiza-se na antiga fábrica de conservas de peixe Perienes, que foi extinta em 1971. Inicialmente tinha o nome de Museu do Trabalho de Setúbal, mas no ano de 1991 foi decidido homenagear o responsável pela coleção etnográfica presente no espaço e desde então consta do nome do Museu o referido etnólogo e coletor. De facto não aprendemos apenas sobre a indústria conserveira, mas também sobre a atividade agrícola e vários outros ofícios tradicionais, através da coleção de alfaias agrícolas e de vários instrumentos utilizados no quotidiano das gentes da terra.
Antigas latas de conservas
A Indústria Conserveira
A Indústria Conserveira
A Indústria Conserveira
A Indústria Conserveira
A Indústria Conserveira
“Mundo Rural – coleção etnográfica Michel Giacometti
A Indústria Conserveira
Mercearia Liberdade
Mercearia Liberdade
Mercearia Liberdade
Para além destes dois núcleos encontramos também no interior do Museu, a Mercearia Liberdade. É um espaço que me faz recordar o comércio que os meus bisavós tinham numa vila na Serra da Estrela. Eu não me lembro desse local em atividade, mas conheço a balança, o balcão de atendimento, as prateleiras e as pás com que eram tirados os produtos a granel.
5 – Casa da Baía
No coração do centro de Setúbal, pertíssimo do Mercado do Livramento, encontramos a Casa Da Baía. Aqui “cabe” muita coisa. A Divisão de Turismo da Câmara Municipal de Setúbal e o posto de informação turística, sendo por isso o local ideal para pedir ajuda do que ver e fazer e tirar todas as duvidas relativas à cidade.
É também onde se encontra a Confraria de Queijo de Azeitão e do Moscatel de Setúbal. Na loja há três paredes inteiras de vinhos incríveis que caracterizam a região e logo ao lado, no bar, várias prateleiras de produtos regionais feitos com os melhores produtos da região. Na zona exterior encontra-se um café, a Associação da Baía de Setúbal (já nomeada uma das mais belas do mundo) e um espaço que recebe concertos, exposições e outro tipo de eventos.
Além de tudo isto, é na Casa da Baía que encontramos o Centro Interpretativo do Roaz do Estuário do Sado. Várias razões para não perderem esta casa!
6 – Bairro do Troino
É impossível ir ao centro de Setúbal e não percorrer as ruas do Bairro do Troino, o mais típico da cidade. Aqui as ruas são mais estreitas, as casas baixinhas e muito próximas e sente-se um espírito de comunidade diferente. Talvez pelos cafés e tascas por onde vamos passando, que nos permitem vislumbrar uma proximidade que não é tão habitual noutros bairros mais modernos.
As ruas são interessantes, fotogénicas, tal e qual os seus habitantes. É por isso bom reservar tempo para deambular por aqui e trocar os habituais dedos de conversa… Nesse passeio é preciso entrar numa loja que é um autêntico museu. Estou a falar da Mercearia Confiança do Troino, fundada no ano de 1926 e que felizmente foi recuperada há meia dúzia de anos. Tal e qual como a Mercearia antiga que se encontra no Museu do Trabalho Michel Giacometti, aqui conhecemos utensílios e produtos utilizados pelos nossos pais/avós. A diferença é que o espaço do Museu não está em funcionamento mas aqui ainda podemos fazer compras!
7 – Forte de São Filipe
O Forte de São Filipe localiza-se no alto de uma encosta, oferecendo por isso uma perspetiva única para a cidade de Setúbal e para toda a baía. Só por isto acreditem que já vale a pena. Já aqui existiu uma Pousada de Portugal (no local onde antigamente era a residência do governador), agora apenas um café. Mas virado para a baía, com um cenário magnífico de Tróia.
Deixando a esplanada, é preciso caminhar pela fortaleza. Esta começou a ser construída no longínquo ano de 1590 (e terminou dez anos depois), com o objetivo de reforçar a defesa do Porto de Setúbal que apenas era assegurada pelo Forte de Santiago do Outão. Além de ter esse fim também já foi uma prisão, primeiro para alguns suspeitos do regicídio e mais tarde para os nobres que tinham sido acusados de conspiração contra o Rei Dom José I.
Chamo a atenção para a pequena capela, logo a seguir à escadaria de acesso, revestida interiormente com azulejos em azul e branco, onde se encontra retratada a vida de São Filipe.
8 – Parque Urbano de Albarquel
Muito próximo do Forte de São Filipe encontramos o Parque Urbano de Albarquel, uma das zonas verdes de destaque da cidade de Setúbal. Ocupa uma área extensa, de quatro hectares, junto à baía, ao mesmo nível da água. Condições reunidas para ser um destino predileto para passear…
Mas este parque não é só bonito. Aqui encontramos vários espaços que justificam uma vinda, caso razões faltassem. Tem:
- Um parque infantil;
- O Centro Municipal de Natação de Águas Abertas de Setúbal, que apoia os praticantes de atividades aquáticas;
- Um café com esplanada;
- O centro náutico;
- Um campo de basketball.
No fim de semana que andei pelo centro de Setúbal o parque estava super movimentado, devido ao FINA Marathon Swim World Series 2022. Existia junto à água uma bancada com vista privilegiada para os atletas que estavam a competir. Pelo que sei ganhou uma mulher brasileira!
9 – Parque do Bonfim
Não junto à água mas sim mesmo no coração da cidade, mesmo ao lado do estádio, encontramos uma outra zona verde. É o Parque do Bonfim, inicialmente jardim mandado construir pelo Rei Dom Manuel I após a aquisição da Herdade Barbuda. Passado um período de tempo em que o parque sofreu alguma degradação, foram realizadas obras de melhoramento e de conservação. Para manter toda a área e principalmente pelas árvores classificadas como de Interesse Municipal.
Os dias em que andei por aqui antecederam o dia da criança, pelo que toda a zona foi “transformada” num mega parque de atividades dedicadas aos mais pequenos. A Maria adorou!
10 – Gastronomia
Seria uma falha enorme não referir a gastronomia de Setúbal como uma das razões para uma visita. É de facto muito diversa, existindo uma variedade enorme de pratos, que vão muito mais além do típico e super famoso choco frito.
Em Setúbal encontramos à mesa pratos tais como caldeirada, arroz de pato, cabidela, espadarte, ostras e nos doces os pudins, queijadinhas, os esses e muito mais. Eu estou num caminho de redução radical de consumo de carne e peixe, por isso na esmagadora maioria das refeições opto por opções vegetarianas e também encontrei comida deliciosa.
As minhas refeições no decorrer da minha estadia em Setúbal foram nos seguintes locais:
- Restaurante do Hotel Cristal, onde fiquei a dormir – elegante, moderno, simpático. A oferta do buffet é boa, tendo pratos suficientes para agradar a todos, na minha opinião. Optámos por comer sopa e juntar vários legumes e compor o prato dessa forma.
- Barriga de Freira, restaurante do Convento de Jesus – espaço lindíssimo, que ocupa o antigo refeitório das freiras que habitavam o espaço. A carta tem uma boa oferta de salgados, petiscos de queijo e enchidos, vários pratos de carne e peixe, mas nós optámos por coisas como bowl de quinoa e burger vegan.
- Sem Horas – mesmo no centro da cidade há um espaço onde os relógios não têm ponteiros… Tal como no Barriga de Freira a oferta é grande, com uma carta rica em petiscos, tábuas e também bagels, sandes e vários acompanhamentos. Desta vez, no jantar de sábado, comemos um bagel (que eu adoro), legumes salteados, arroz de tomate, peixinhos da horta e camarão na frigideira com alho, malagueta e gengibre. Esta última opção não é vegetariana, eu sei, mas atenção que eu comecei por dizer que reduzi drasticamente o consumo animal, ainda não eliminei totalmente. E na verdade não sei se o farei completamente.
- Vela Branca – o que de imediato chama à atenção é a localização deste restaurante. Localiza-se numa zona alta do Parque Urbano de Albarquel, tendo por isso uma vista privilegiada para Setúbal, baía e Tróia. Mas claro, não é só por isso que recomendo este espaço. É bonito, elegante e tem um ambiente suave e delicado. É confortável e familiar. Tem umas entradas e pratos principais muito interessantes a relembrar a relação de Setúbal com o mar, mas claro, nunca ficando a carne “esquecida”. Aqui optámos pelo arroz de gambas…
Por último, mas de todo menos importante, o que bebi a acompanhar as refeições. A península de Setúbal tem 9500 hectares de vinha, uma longa lista de prémios e concursos ganhos, pelo que o problema é mesmo escolher. Gosto de conhecer e provar coisas novas por isso fugi ao meu expetável (leia-se mais conhecido) e fui experimentar os vinhos da Quinta do Breijinho, ali para os lados de Grândola. Setúbal sempre a surpreender…
Agradeço o desafio da Câmara Municipal de Setúbal de vir conhecer o centro da cidade durante dois inteiros, em família. Algumas coisas já conhecia (poucas confesso) e descobri várias que foram uma autêntica surpresa. Quero continuar a explorar a região de outras perspetivas. Até já!
Informação prática
Como chegar: Setúbal é uma cidade portuguesa, localizada a um pouco menos de uma hora de Lisboa e de Grândola, mais coisa menos coisa.
Como chegar e se deslocar: Setúbal está muito bem servida de transportes. É possível chegar ao centro de carro (com nacionais e auto-estrada), autocarro (Rede Expressos por exemplo), comboio (espreite o site dos Comboios de Portugal ou da Fertagus) ou barco se estiver em Tróia (consulte o Atlantic Ferries). Para conhecer não só o centro mas toda a região envolvente a melhor maneira é mesmo utilizar carro para ter mais liberdade de movimento e possibilidade de fazer outras paragens.
Onde dormir: Em ambas as noites que estive em Setúbal dormi no Hotel Cristal. Gostei imenso do espaço e principalmente da simpatia de todo o staff. Por azar meu, durante a minha estadia estive com uma conjuntivite em ambos os olhos e toda a equipa esteve super preocupada e antensiosa comigo. Adorei a receção com cocktail totalmente personalizado pelo mega talentoso Ângelo, os chocolates e e as prendinhas para a Maria no quarto e a disponibilidade da Catarina.
O hotel não está exatamente no centro, mas do Mercado do Livramento são apenas seis minutos de carro. Vale bem a pena.
Onde comer: Eu comi sempre super bem, à boa maneira portuguesa. As refeições foram no restaurante do Hotel Cristal (buffet), no Barriga de Freira, Sem Horas e no Vela Branca.