– E se fossemos às Caraíbas?

O meu primo Pedro lançou-me este desafio inesperado e irrecusável numa noite chuvosa e fria de inverno. Estávamos os dois no café onde habitualmente nos reuníamos depois de jantar, para falarmos das trivialidades do quotidiano, das viagens e do mundo que ambos queríamos ver e um pouco de tudo o que nos vinha à cabeça.

Após alguns segundos para digerir o convite que ele me tinha feito, percebi que só podia aceitar. Como dizer não àquelas ilhas das quais eu já tinha visto fotografias espetaculares e relatos interessantes do famoso Barba Negra que chegou a ser o juiz que aplicava a lei na República Pirata de Nassau?

Por coincidência ambos tínhamos férias marcadas na mesma altura do ano, pelo que foi muito fácil decidir quando iríamos viajar. Uns dias depois convidei para viajar connosco a minha amiga Sofia e ele o seu amigo Ricardo e ambos rapidamente aceitaram. Com o grupo formado, decidimos em conjunto o percurso que iríamos fazer, que passaria pelas Baamas, Cuba, Jamaica e pelas ilhas Caimão.

Cerca de um mês depois daquela noite, rumámos os quatro até às Baamas. Estava longe de saber que seria a viagem que iria mudar a minha vida…

Baamas

Nassau surgiu-nos exótica, vibrante, quente e perfeita, com uma certa musicalidade no ar, um mar incrivelmente azul e quente e uma areia fina, dourada e muito suave. Um paraíso…

Os dias por lá corriam absolutamente perfeitos, com paisagens lindas e uma surpreendente e inesperada afinidade entre nós os quatro. Eu já tinha viajado com o Pedro e outras vezes com a Sofia, mas nunca com os dois juntos e muito menos com o Ricardo, que nem conhecia antes. Isto para mim foi uma boa surpresa porque mesmo tendo alguns bons amigos, tenho sempre muito cuidado a escolher quem me acompanha nestas aventuras.

Viajar de forma independente como eu faço, é absolutamente fantástico pela liberdade que permite, mas pode ser uma experiência bastante intensa pela quantidade de situações e decisões novas com que me deparo. É bom ter alguém ao meu lado com quem seja fácil partilhar este tipo de desafios. Neste grupo tudo parecia simples e natural, queríamos as mesmas coisas e quando isso não acontecia, rapidamente chegávamos a um equilíbrio que permitia que todos ficássemos contentes.

O “tal” dia

Tinha começado mais um dia quente nas Caraíbas quando decidimos sair de Nassau, onde estávamos a dormir e ir descobrir uma parte da ilha que ainda não conhecíamos. Andámos um pouco de carro, totalmente sozinhos, sem qualquer outro sinal de circulação automóvel, apenas alguns habitantes locais a circular a pé de vez em quando.

Da estrada vimos uma construção enorme, que parecia um hotel e que estava totalmente abandonada. Houve qualquer coisa ali que nos chamou à atenção, não sei bem explicar o quê e que nos fez parar o carro e ir explorar.

Entrámos na antiga receção do hotel, por onde imagino que tantos outros deveriam ter passado antes completamente entusiasmados, carregados com malas de viagem e muitas expectativas e subimos alguns andares pelas escadas para a zona dos quartos. Entrámos num deles que já nem tinha a parede exterior e percebemos que ali bem perto estava uma praia linda, com uma areal super extenso, absolutamente intocável pela presença humana. Descemos, corremos até ao carro e fomos até lá.

O percurso que até agora tinha sido feito por estradas ladeadas de árvores e areia passou a ter do lado da praia, mansões como se vêm nos filmes, enormes e majestosas, com portões altíssimos que impossibilitavam qualquer tentativa de nos deixarmos levar pela curiosidade de ir espreitar.
Pela distância calculámos que já estivéssemos na tal praia que tínhamos visto a partir do quarto do hotel e parámos o carro a meia dúzia de metros da estrada, já muito perto de lá.

Quando chegámos à praia era tudo aquilo que já estávamos à espera e talvez ainda um pouco mais. Estava à nossa frente uma praia deserta, mais do que perfeita, tipicamente caribenha, com uma fila de palmeiras, areia dourada e mar azul-turquesa, só para nós. Esticámos as nossas toalhas, apanhámos sol de forma demorada e pachorrenta e entrámos muitas vezes naquela água cristalina e quente como poucas vezes tornei a encontrar. Algum tempo depois, apeteceu-me ir passear junto ao mar e conhecer o resto da praia.

A Sofia e o Ricardo decidiram ir comigo e o meu primo Pedro quis ficar junto à toalha a ler e relaxar um pouco mais. Fomos então os três e começámos a andar paralelamente ao mar, com os pés dentro de água. Passado pouco tempo de termos iniciado o trajeto vimos uma daquelas redes que se colocam entre duas árvores. Eu como ando sempre com máquina fotográfica perguntei-lhes se queriam tirar umas fotos e um a um deitámo-nos na rede para ficarmos com o registo daquele local tão bonito e daquele momento.

Só depois das fotografias terminadas é que nos apercebemos do casarão que estava por detrás da tal rede. A primeira impressão foi estranha: – porque é que da estrada as casas têm tanta segurança mas aqui da praia estão totalmente acessíveis? Pensando à distância imagino que talvez não fizesse sentido criar uma barreira artificial para uma paisagem tão perfeita e única como a desta praia e a sua envolvência…

Ao longo da praia encontrava-se um conjunto de palmeiras e arbustos densos o suficiente para criar um género de cortina que tapava parcialmente a mansão, o que fez aumentar ainda mais a nossa curiosidade. Aproximámo-nos e fomos gradualmente explorando aquela zona verde quando avistámos uma segunda casa com dois pisos, um pouco parecida com um coreto, toda pintada de branco e aberta para o exterior.

Não vimos ninguém, olhámos uns para os outros e sem dizermos nada, entrámos nesse tal espaço. A estrutura era relativamente pequena, mas apesar de simples, por quase não ter elementos decorativos, era encantadora. Nesta altura tinha uma sensação estranha de mistura de adrenalina e entusiasmo com recriminação por ter entrado na casa de alguém sem ter sido convidada. Nunca tinha feito nada do género na minha vida. Nem voltei a fazer.

Subimos umas escadas em caracol em direção ao piso superior e lembro-me de ver copos de cristal em prateleiras e garrafas de Moet Chandon vazias, o que me levou a pensar que deviam acontecer por aqui umas belas festas. Estava eu a registar com a máquina fotográfica estes pormenores quando de repente vi uma pessoa pelo canto do olho! Fiquei estática e com o coração a bater a uma velocidade louca.

Ao virar-me percebi que era o meu reflexo num dos muitos espelhos que por lá se encontravam… Quando recuperei do susto fui ter com o Ricardo e a Sofia que já estavam a descer as escadas de acesso à praia. De volta ao areal decidimos continuar a explorar o complexo, pois estávamos inebriados com toda aquela envolvência de casa de sonho.

Avançámos então em direção à mansão, pelo campo de voleibol de areia que existia mesmo ao lado do “coreto” e de seguida fomos até à piscina localizada na zona central da casa. Em todo este percurso continuava a não existir nenhuma vedação ou barreira, o que nos permitia deambular por ali quase de forma natural.

Na piscina ao ar livre flutuava ao sabor da leve brisa, uma boia cor de rosa com formato de flamingo. Parecia mesmo que os donos tinham saído à pressa, há momentos atrás. Mas para onde teriam ido? Será que algo urgente os obrigou a sair em pouco tempo?

Há medida que íamos avançando na casa, a medo, mantínhamos sempre os olhos no portão que estava muito perto da piscina. Mas apesar do enorme receio em sermos apanhados pelos donos da casa, continuámos. Era impossível parar…

A parte da casa que dava acesso à piscina tinha divisões amplas e arejadas, sem qualquer porta. Um desses espaços era uma sala gigante, com inúmeros sofás de estilo clássico, alguns tapetes e muitos quadros com molduras douradas nas paredes. Aqui encontravam-se umas escadas que o Ricardo teve coragem de subir até aos quartos, esses sim já com porta. Apesar de estarem trancados ele ainda viu por uma das várias paredes de vidro dessa zona da casa, duas ou três camas com lençóis aos pés da cama, evidenciando terem sido utilizadas há pouco tempo.
Quando ele desceu as escadas e se juntou a nós as duas na sala, continuámos a andar em direção à piscina e à praia pelos corredores abertos, onde se encontravam alinhadas estátuas de corpo inteiro, de deuses mitológicos. Já era hora de sair dali.

Segundos depois de chegarmos à zona circundante da piscina, apanhámos o susto das nossas vidas. O sistema de rega automática que estava instalado na relva começou a funcionar como se fosse um alarme e quase em simultâneo passou rapidamente por nós um cão de grande porte, que aparentemente não nos viu. Ficámos sem saber o que fazer ou de que forma reagir. O coração que tinha estado a mil agora não sabia com que ritmo devia bater! Saímos dali com um passo rápido e em silêncio, fomos em direção à praia.

Já com o Pedro começámos a descrever tudo o que se tinha passado, naquele período de tempo que não consigo definir de quanto terá sido. Há medida que íamos contando a história tudo nos parecia tão irreal (ainda parece) que ele não acreditou em nada do que dissemos. Quem acreditaria?

Já no fim do dia decidimos voltar a Nassau. Entrámos no carro e percorremos novamente a estrada que nos levaria à capital. Ao longe vimos algum fumo que desvalorizámos, pois já tínhamos ouvido a sirene dos bombeiros e pensámos que deveria estar controlado. Não estava.
Meia dúzia de quilómetros mais à frente vimos um incêndio florestal de ambos os lados da estrada, que formava uma cortina de chamas e fumo sobre a estrada que tínhamos de atravessar. Esperámos um pouco, mas como percebemos que não havia percurso alternativo, resolvemos arriscar mesmo não vendo nada à nossa frente.

Fechámos os vidros do carro e o meu primo Pedro que estava ao volante carregou a fundo no acelerador para atravessarmos o mais rapidamente possível o incêndio. Mesmo assim ainda estivemos alguns segundos envolvidos por chamas e fumo, num verdadeiro inferno de calor e terror. Foi uma experiência que nunca irei esquecer.

Quando finalmente chegámos ao outro lado da “cortina”, parámos o carro já numa zona segura, abrimos os vidros para sair o fumo e relaxar do susto. Não dava para acreditar neste dia completamente surreal.

Estávamos quase a chegar a Nassau, em silêncio, quando por coincidência ou não, vimos junto à estrada o que parecia ser uma festa de habitantes locais, super animada, com muito reggae. Saímos do carro, dirigimo-nos às barraquinhas de comida e começámos a descomprimir das emoções fortes do dia e a falar de tudo o que tinha acontecido. A casa que parecia ser tirada de um filme e o termos atravessado um incêndio!

O resto da viagem teve mais algumas aventuras, experiências inesquecíveis e muitos banhos de sol e mergulhos. Os dias acabavam perfeitos, inevitavelmente a jantar na praia, por debaixo do céu estrelado e com os pés dentro de água. À medida que o tempo ia passando a afinidade entre nós foi crescendo devagarinho e as conversas que tínhamos eram cada vez mais profundas e íntimas. Houve um dia em que estávamos em Negril, já na Jamaica, em mais um daqueles jantares maravilhosos na praia. O empregado do restaurante tinha-nos deixado a comida e já se queria ir embora. Pagámos, ele foi para casa e desligou todas as luzes do espaço onde estávamos. Jantámos assim, apenas com a luz das estrelas, o que criou um ambiente totalmente intimista.

No meio da conversa o Ricardo pensou alto:

– E se fosse possível viajar e ter mais dias como estes, para sempre?
E eu fiquei a pensar.


Agora passados dez anos desta viagem eu respondo:

– Sim Ricardo, é possível. E sempre contigo e com a nossa filha.

(Meses depois de regressar desta viagem vi um filme do James Bond 007 e nem acreditei quando surgiu uma cena em que uma senhora foi encontrada morta exatamente na rede onde tinha estado com o meus amigos, naquela praia deserta das Baamas. Aquela com a casa onde eu tinha entrado sem pedir…)

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