Lisboa actualmente tem inúmeros museus com temas bastante diversos, pelo que acredito haver sempre algum muito interessante para quase qualquer pessoa. Ainda há alguns museus “aborrecidos” (na minha opinião) que mantêm um formato antigo e pouco convidativo, mas a grande maioria já evoluiu, oferecendo uma experiência formidável.

Um desses exemplos é o Museu Nacional dos Coches, que redescobri recentemente. Já não ia há vários anos e com o novo espaço (de 2015) foi como se tivesse sido a 1ª vez que visse as viaturas. Uma visita aqui é muito mais do que olhar para maravilhosos coches, berlindas, carruagens, seges, carrinhos de passeio, liteiras, cadeirinhas e carrinhos de criança. É perceber como a corte europeia se deslocou ao longo dos séculos e principalmente conhecer importantes episódios da história de Portugal e do mundo.

De seguida indico 10 coisas que aprendi ao visitar o Museu mais visitado de 2017, com 350000 visitantes. Fui acompanhada por uma das historiadoras do espaço que me deu uma autêntica aula de história, o que fez toda a diferença.

1 – O antigo museu foi aberto no picadeiro contra a vontade do rei

O príncipe D. Carlos de Portugal casou com Amélia de Orleães, que era senhora de uma grande cultura. Ela manifestou vontade em juntar todos os coches que estavam espalhados por vários depósitos e cocheiras dos palácios reais, num espaço adequado a esse fim e que pudesse ser visitado pelo público.

Escolheu o antigo Picadeiro Real de Belém para esse fim, que na época não se encontrava em funcionamento e que já servia de depósito de algumas viaturas da corte. O marido (e já rei) não queria que fosse utilizado este espaço, pelo que foi necessária grande insistência por parte da mulher.

Após a difícil autorização deu-se então início ao processo de adaptação à sua nova utilização. Foi retirado o massame e colocado calcário no pavimento, foram restauradas as pinturas por José Malhoa e Conceição e Silva e foi dada nova utilização à sala de jantar, cozinha e rouparia.

E a 23 de maio de 1905 foi inaugurado o Museu dos Coches Reaes, com 29 viaturas, fardamentos e vários acessórios de cavalaria. O rei não esteve presente na cerimónia, mostrando a sua posição relativamente a esta iniciativa.

Picadeiro real
Picadeiro real

Alguns anos mais tarde quando a República foi implementada, é que o espaço passou a ser designado por Museu Nacional dos Coches.

2 – A palavra coche deriva de Kotze

Inicialmente eram utilizados animais de carga no transporte terrestre, nas estradas ainda muito primitivas. Dos cavalos passou-se para os veículos de tração animal, as famosas diligências como temos memória de ver nos filmes dos cowboys. Mas este meio de transporte era muito incomodativo, trepidava bastante, o que seguramente provoca um enorme incómodo nos passageiros. Existia a necessidade de criar um meio de transporte mais estável.

Em Kotze, na Hungria, foi criado o primeiro modelo de coche (século XV). A caixa passou a ser mais estreita do que a da diligência e deixou de ter contacto direto com as rodas, estando suspensa em correias ou correntes de couro. Este meio de transporte era muito mais estável.

Os primeiros carros eram chamados de “carros à húngara” ou “carros de Kotze” mas ao longo do tempo surgiu a palavra coche.

3 – É em Lisboa que encontramos o coche mais antigo do mundo

Portugal a certa altura da sua história perdeu a independência, tendo ficado sob domínio espanhol. Neste contexto o rei Filipe II (III de Espanha) decidiu fazer uma viagem de Madrid até Lisboa. Neste tempo isto era uma iniciativa que tinha de ser preparada com vários anos de antecedência…

Foi preciso melhorar estradas, os nobres tiveram de decidir os vários locais onde o rei iria pernoitar, tinham de se reunir veículos peparados para fazer esta viagem, entre muitas outras questões práticas, políticas e financeiras.

O veículo que iria ser utilizado na viagem para transportar o rei tinha de ser um “todo o terreno”, assim como todos os outros que o acompanharam. Nesta época os coches não se destinavam a grandes deslocações, mas sim a ocasiões especiais, normalmente cerimónias.

O coche que ficou em Portugal e que atualmente se encontra no museu é muito sóbrio por fora e exuberante no seu interior, ao contrário da grande maioria que eram exuberantes no exterior. É também o mais antigo do mundo.

Coche de Filipe II (Museu Nacional dos Coches)
Coche de Filipe II

Como o rei iria passar no interior do coche muito tempo, tiveram de criar um sistema de evacuação sob a almofada do banco. Era impensável o rei mandar parar o seu coche e toda a restante comitiva para ir fazer xixi ao campo!

Interessante também saber que nos restantes carros de apoio haviam rodas suplentes, acessórios para mudança de rodas, camas de campanha, caso o rei quisesse dormitar.

A viagem da comitiva demorou 68 dias a chegar a Lisboa e teve 52 paragens ao longo do caminho.

4 – Em cada coche existia um moço da tábua, um cocheiro e por vezes um sota

No século XVII o cocheiro passou a sentar-se no próprio coche, o que se chamava de “boleia de cocheiro”. Até então ia no cavalo, numa posição mais afastada de quem transportava.

Cada coche podia ser puxado por um número diferente de cavalos, que estava relacionado com o estatuto de quem era transportado (e não com o peso do coche). Por exemplo, era permitido a um Marquês ter até 6 cavalos e a um rei 10.

Quando existiam apenas 4 cavalos, ou seja 2 pares em linha, bastava apenas o cocheiro. Mas se exista o terceiro par de cavalos já era necessário um sota, que conduzia o par de cavalos da frente. Este usava sempre na sua perna direita uma bota com uma grande espessura para lhe proteger a perna caso os cavalos se juntassem demasiado.

Na parte detrás do coche ia em pé numa tábua, pelo menos um trintanário (também chamado de moço da tábua). Este era um rapaz de até 30 anos cuja função era executar pequenos serviços que fossem necessários, como colocar calços nas rodas dos coches ou abrir a porta a quem ia no seu interior.

Pormenor da tábua do Coche de Maria Francisca de Sabóia (Museu Nacional dos Coches)
Pormenor da tábua do Coche de Maria Francisca de Sabóia

Por vezes estes rapazes não iam na tábua, mas a pé, o que não era difícil de acompanhar, porque o coche circulava normalmente a cerca de 2 km/h. Lembro que não eram veículos de transporte, mas sim de aparato, deslocando-se ao passo de uma procissão.

5 – Os coches eram muitas vezes o dote das noivas

Os coches eram construídos com um determinado fim, normalmente para uma cerimónia.

Há vários veículos que se encontram no museu que foram o dote das noivas que vieram casar com reis portugueses. Foram construídos para esse fim específico, tendo sido utilizados pela 1ª vez na chegada a Portugal (não eram utilizados na viagem desde os seus países de origem).

É o caso de Maria Francisca de Saboia ou de Maria Ana da Áustria, que vieram casar com reis portugueses. O coche de Maria Ana é exuberante e um dos que mais me chamou a atenção. O exterior é em talha dourada e possui uma decoração exuberante.

Por baixo da porta do coche vemos duas figuras a tentar atingir dois leões que representam o poder. A rainha aqui quer dizer ao seu futuro marido: espero que te apaixones por mim… É fantástico perceber um pouco de todas as mensagens que existem na decoração dos coches e o que significavam.

Coche de Maria Ana de Áustria (Museu Nacional dos Coches)

Coche de Maria Ana de Áustria

Pormenor da porta do Coche de Maria Ana de Áustria (Museu Nacional dos Coches)
Pormenor da porta do Coche de Maria Ana de Áustria

6 – Foram mandados 15 coches para fazer uma viagem a Roma

O rei português João V decidiu enviar uma Embaixada (uma comitiva) ao Papa para obter um Cardeal Patriarca em Lisboa, que seria altamente prestigiante para o país.

Para obter essa autorização o rei teria de apresentar bons argumentos ao Papa, de forma a conseguir convencê-lo que Portugal era merecedor. Assim sendo, foi realizado um cortejo composto por cinco coches de séquito do embaixador, dez de acompanhamento (estes 15 feitos em Roma) e mais 300 outros onde iriam homens do clero, nobreza, príncipes e ministros.

Quando todo este aparato chegou à residência de verão do Papa em Roma, causou uma enorme sensação. Além da ostentação também ficou clara a mensagem do rei que indicava que era senhor de um vasto império e que controlava uma boa parte do comércio mundial. Conseguiu ser mostrado que Portugal era uma grande potência, pelo que o Papa autorizou o que o rei pretendia.

O rei ordenou que regressassem a Lisboa os três coches triunfais (dos 15 coches principais) para os poder admirar, uma vez que não esteve presente no cortejo.

Coche do Embaixador (Museu Nacional dos Coches)
Coche do Embaixador
Coche dos Oceanos (Museu Nacional dos Coches)
Coche dos Oceanos
Coche da Coroação de Lisboa (Museu Nacional dos Coches)
Coche da Coroação de Lisboa

Este trio é o conjunto que rapidamente se destaca na sala principal do museu, cada coche tem um tema diferente:

7 – Construíram-se 24 berlindas para a troca das princesas

Os coches muitas vezes viravam-se, devido ao mau estado dos caminhos que existiam na altura. Foi na obtenção de solução para este problema que em Berlim surgiu uma nova viatura, que se passou a designar de berlinda. Este meio de transporte constituía um significativo progresso técnico, uma vez que toda a caixa passou a assentar em duas correias de couro, o que possibilitava uma enorme melhoria de conforto e segurança.

As berlindas chegaram a 1ª vez a Portugal quando o mesmo rei que enviou a Embaixada a Roma, encomendou um conjunto de 24 (berlindas) para a cerimónia da troca das princesas.

Berlinda da Casa Real (Museu Nacional dos Coches)
Berlinda da Casa Real

O rei português e o espanhol decidiram consolidar as boas relações diplomáticas entre os dois países, através do casamento dos seus filhos. A princesa e o príncipe portugueses iriam casar com o príncipe e a princesa espanhóis, respetivamente. Depois do casamento já estar oficializado por procuração, decidiu-se trocar as princesas sobre o rio Caia, na fronteira com os dois países.

Construiu-se uma ponte, sobre a qual se ergueram três salões, um do lado português, outro do lado espanhol e um terceiro exatamente na fronteira, para se realizar a cerimónia.

O enorme cortejo que levou os príncipes desde Lisboa era composto por 100 carros, as tais berlindas e também inúmeros coches, sendo de destacar um com mesa no centro (modelo único).

Coche da mesa (Museu Nacional dos Coches)
Coche da mesa

8 – As liteiras e cadeirinhas eram utilizadas para pequenos trajetos durante vários séculos

No dia-a-dia quando as deslocações eram grandes e os caminhos assim o permitissem, também podiam ser utilizados coches ou berlindas, mas com uma decoração  muito simples. Eram também utilizadas liteiras e cadeirinhas, que têm origem na antiguidade clássica.

Liteiras (Museu Nacional dos Coches)

A liteira era constituída por uma caixa com duas portas laterais, que davam acesso a dois lugares (frente a frente). O transporte era assegurado por duas mulas, uma à frente e outra atrás da caixa. Foi utilizada desde o tempo dos romanos até ao século XIX, uma vez que era um meio de transporte muito prático numa época em que as estradas eram muito estreitas e não tinham boas condições.

Liteiras

A cadeirinha era uma caixa fechada onde apenas podia ir um passageiro e todo o peso era suportado por dois ou quatro lacaios. Utilizava-se para uma deslocação de alguns metros, ao contrário da liteira, mais adequada para percursos um pouco maiores, tal como os longos corredores de um palácio. Quem utilizava as cadeirinhas eram normalmente as rainhas, princesas e as senhoras da nobreza.

Cadeirinha (Museu Nacionald dos Coches)
Cadeirinha

9 – O 1º transporte público entre vilas e cidades chamava-se Mala Posta

No ano de 1798 surgiu a Mala Posta, uma viatura para transporte de correio, mas também passageiros e bagagens. Até então as cartas e mensagens dos reis, nobreza e clero eram transportadas a cavalo ou mesmo a pé por mensageiros. Como o povo não sabia ler, eram os mensageiros que liam em voz alta os avisos.

A nova viatura permitia fazer deslocações longas, que duravam vários dias entre várias Estações de Muda, onde os cavalos eram trocados e os viajantes paravam para comer e descansar. O transporte passou a estar ao alcance de quase todos, não apenas à camada mais rica.

Mala Posta (Museu Nacional dos Coches)
Mala Posta

As primeiras deslocações da nova viatura realizavam-se entre Lisboa e Coimbra e duravam 40 horas. Partiam da Calçada do Combro de Lisboa à 2ª, 4ª e 6ª feira. Alguns anos mais tarde é que se começou a fazer a carreira entre Lisboa, Coimbra e Porto que já só durava 34 horas. A velocidade média era de 8,8 km/hora.

O correio era transportado no compartimento da parte central e os passageiros mais ricos nos outros dois compartimentos, o da frente e o que se encontra atrás. Aqueles que tinham menos dinheiro tinham de fazer a viagem no tejadilho juntamente com a babagem.

As Mala Postas foram muito utilizadas até ao aparecimento do comboio, em 1856. Só por curiosidade acrescento que a 1ª viatura a motor surgiu pela 1ª vez em Portugal poucos anos mais tarde, em 1895.

10 – O último cortejo que ocorreu em Lisboa foi em 1957

A nobreza e as altas camadas de burguesia começaram a sentir necessidade de passarem a fazer as suas encomendas de meios de transporte em Londres. Paris estava a passar por um período de instabilidade política.

Com a Revolução Industrial inglesa foram introduzidas grandes modificações nas viaturas de gala que eram utilizadas até então. A funcionalidade sobrepôs-se à exuberância, tendo desta forma surgido a carruagem. Era utilizado aço, a suspensão era feita com pequenas correias de couro e molas em forma de C, o cocheiro passou a estar ao nível do tejadilho e foram instaladas quatro lanternas fixas aos cantos. Surgiu assim um meio de transporte muito cómodo.

Foram realizados vários cortejos com carruagens em Lisboa, uma vez que nesta altura a sua aquisição estava ao alcance de uma nova burguesia rica que se queria afirmar. Nessas ocasiões a cidade era engalanada e eram convocados artistas para acompanhar.

O último grande cortejo a que os lisboetas assistiram foi já em 1957, quando a Rainha Isabel II de Inglaterra visitou Portugal.

Recomendo mesmo uma visita a este Museu, além de muitas das viaturas serem exuberantes é bastante interessante perceber a razão de terem sido feitas.



Dicas para ir até ao Museu Nacional dos Coches

Quando ir: Entre 3ªf e domingo, das 10h às 18h.

Localização: Av. da Índia 136, Lisboa (Praça Afonso de Albuquerque, 4-4C, Lisboa o Picadeiro Real)

Mais informações: Site oficial do Museu.


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Como se deslocar: A melhor maneira de se delocar no centro de Lisboa é a pé (o centro histórico não é muito grande), de metro ou em alternativa de autocarro. Se for para Sintra, Cascais, Ericeira ou margem sul do Tejo, por exemplo, existe uma boa rede de comboios e de autocarros.

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Onde dormir: Atualmente existe em Lisboa uma norme oferta de alojamento, pelo que escolher pode não ser tarefa fácil. Eu privilegio sempre a localização por isso recomendo ficar a dormir em Alfama, um dos bairros mais típicos e genuínos da cidade. Se ficar neste bairro pode ir a pé até ao castelo, ao Martim Moniz ou ao Rossio, locais obrigatórios numa visita a Lisboa.

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2 respostas

  1. Muito bem.
    Muito interessante e muito úteis estas informações.
    Por causa disto irei fazer estas visitas mal tenha a oportunidade.

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