O início da história do hotel batizado inicialmente como Polana deve-se em grande parte a João Alexandre Lopes Galvão. Ele era um general português, nascido no Fundão, que estava ligado às obras públicas e ao turismo de Lourenço Marques, navegador e comerciante português e antigo nome de Maputo. Foi o responsável pela reconstrução do porto, pela construção da doca seca, pelos caminhos de ferro e pela restauração do Jardim Público, por exemplo.
Integrada em todas estas ações de desenvolvimento, ele pediu ao governador-geral de Moçambique, Pedro Massano de Amorim, autorização para a construção de um hotel na zona que era (e continua a ser) conhecida como Polana. Talvez seja interessante perceber a origem deste nome, que também é muito parecido com as famosas capulanas.
Para isso temos de “voltar atrás no tempo”, até ao século XIX, e à história do príncipe Polana Mpfumo. No seu território, a norte da baía de Maputo, era costume realizarem-se feiras. Estas eram conhecidas como capulanas e aí eram vendidas bugigangas, tecidos orientais e panos estampados e coloridos de África. Hoje em dia estes são conhecidos como capulanas, o nome da feira, e pertencem à identidade do povo moçambicano (e não só).
Foi no ano de 1973 que o comboio percorreu pela última vez a Selati line. Hoje em dia pouco é possível ver desta linha (pelo menos eu não consegui encontrar) e do comboio, mas se forem ao Parque Nacional Kruger conseguem ainda conhecer a locomotiva restaurada no recente ano de 2020. Ela está em Skukuza, onde alguns anos antes viajantes de comboio paravam para se deslumbrar na Sabi Bridge.
O Kruger Shalati - Train on the Bridge
É exatamente na deslumbrante Sabi Bridge (Skukuza) que se encontra um hotel único, fascinante, luxuoso, discreto e elegante, onde na minha opinião, todos deveriam ir, pelo menos uma vez na vida. Chama-se Kruger Shalati – Train on the Bridge (para encurtar irei referir-me apenas como Shalati), que como o nome já indica, é um comboio que se localiza na ponte, sobre o rio.
A antiga locomotiva da linha Selati está perto (a uma curtíssima caminhada a pé), e também isso nos permite transportar para o tempo em que aqui chegavam viajantes de comboio. Todo este contexto histórico fez com que para mim, a experiência já estivesse completa. Vão por mim, é algo a não perder.
Quando cheguei à entrada do Shalati já estava então mesmo feliz. Mas assim que entreguei a chave do carro, tive a clara sensação que o melhor ainda estava para vir. Acho que pela simplicidade e elegância, simpatia do staff e por todo o tema do hotel remeter para a histórica paragem da linha Selati.
O alojamento é composto por 24 quartos integrados no comboio que foi colocado propositadamente na antiga linha de comboio e mais sete que se encontram logo ao lado, nos jardins, mais perto da zona do restaurante principal. É política do Shalati, por razões de segurança, não permitir a permanência de crianças da idade da Maria (oito anos) no comboio por isso ficámos em dois quartos na segunda zona que indiquei. Felizmente consegui que me fizessem uma visita a um quarto no comboio. É ainda mais especial, tal como imaginava.
Ao longo de todas as carruagens existe um passadiço de madeira, pelo que é possível percorrer toda a extensão do comboio (vale a pena). Na ponta mais afastada da receção existe um espaço destinado a refeições de grupos super intimista e mais ou menos na zona central de todo o comboio o que para mim é a “jóia da coroa”. Aqui dá para atravessar o comboio no sentido transversal, ou seja, caminhar entre dois quartos. Entramos num bar e seguidamente numa porta que nos leva para uma pequena piscina virada para a savana e para o rio. É lindo estar aqui.
Depois de uma visita aos nossos quartos (contíguos, com ligação direta), fomos jantar na zona exterior, ao ar livre. A luz era difusa, aqui e além existiam uns candeeiros e lareiras de exterior a pintalgar a noite de lua cheia. Ao fundo estava o comboio na ponte e de vez em quando ouvia uns sons de animais que não consegui decifrar quais seriam. Algumas horas depois, de manhã bem cedo, integrei o único passeio ao parque que fiz com guia (andei seis dias inteiros de carro alugado em Maputo, de forma independente).
Logo que saímos do Shalati tivemos uma sorte enorme e assistimos de perto a um confronto de dois grupos de leões, com perseguição e rugidos à mistura. Foi quase um episódio da BBC Vida Selvagem, pelo menos para mim! Seguiram-se ainda três horas de observação de vários animais, tais como girafas e hienas.
Na volta ao hotel houve novo pequeno-almoço, mais completo, no espaço onde tínhamos jantado na noite anterior. Desta vez com mais luz, com absoluta nitidez, o comboio e a savana. Outro ambiente, igualmente interessante. Aqui sentada, quase que “vi” os antigos viajantes da linha de comboio Selati a trocar impressões da sua experiência, da sua paragem na Sabi Bridge.
Memorável.
Informação prática
Vistos: De acordo com o portal das comunidades portuguesas, os cidadãos portugueses que pretendam visitar a África do Sul em turismo não necessitam de visto. À chegada será concedido um visto por 90 dias. É necessário apresentar passaporte eletrónico com validade de 6 meses e com pelo menos, duas páginas livres. Se chegar ao Kruger por outro país, verifique também as condições de entrada. Por exemplo, Moçambique neste momento já não exige visto.
Como chegar: Podem chegar ao Kruger de carro (vindo de Moçambique, do Zimbabwe ou da África do Sul), ou de avião, sendo o aeroporto Kruger Mpumalanga o que se encontra mais próximo. Mas atenção que são poucas as companhias aéreas que voam para este aeroporto. A grande maioria dos visitantes penso que voa para Maputo ou para Joanesburgo e depois aluga carro (tal como eu fiz).
Como se deslocar: No interior do Kruger podem circular apenas de carro, caravana ou algo similar. Não há alternativa a isto. Se tiver carro próprio é fácil chegar ao Kruger Shalati, caso contrário sugiro contactar diretamente o hotel, tenho a certeza de que irão ajudar.
O início da história do hotel batizado inicialmente como Polana deve-se em grande parte a João Alexandre Lopes Galvão. Ele era um general português, nascido no Fundão, que estava ligado às obras públicas e ao turismo de Lourenço Marques, navegador e comerciante português e antigo nome de Maputo. Foi o responsável pela reconstrução do porto, pela construção da doca seca, pelos caminhos de ferro e pela restauração do Jardim Público, por exemplo.
Integrada em todas estas ações de desenvolvimento, ele pediu ao governador-geral de Moçambique, Pedro Massano de Amorim, autorização para a construção de um hotel na zona que era (e continua a ser) conhecida como Polana. Talvez seja interessante perceber a origem deste nome, que também é muito parecido com as famosas capulanas.
Para isso temos de “voltar atrás no tempo”, até ao século XIX, e à história do príncipe Polana Mpfumo. No seu território, a norte da baía de Maputo, era costume realizarem-se feiras. Estas eram conhecidas como capulanas e aí eram vendidas bugigangas, tecidos orientais e panos estampados e coloridos de África. Hoje em dia estes são conhecidos como capulanas, o nome da feira, e pertencem à identidade do povo moçambicano (e não só).
Uma ida à feira era ir a “terras de polana” e essa designação ficou perpetuada no tempo através do nome do bairro e do hotel que nessa zona se veio a construir.
Vamos então seguir um século mais para a frente, para João Galvão. De acordo com o que é sabido, o plano era que esse hotel fosse grande, elegante, luxuoso e tivesse condições adequadas para receber políticos, diplomatas e figuras pertencentes a classes mais abastadas (estrangeiras quase sempre) que circulavam por Lourenço Marques na época. Ou seja, que fosse capaz de responder ao cada vez mais exigente mercado de negócios e turismo.
A construção do hotel
Depois da autorização da construção ter sido atribuída, seguiram-se algumas negociações e um concurso entre várias empresas construtoras, no qual foi selecionada a Delagoa Bay Lands Syndicate, Limited. O projeto foi dirigido pelo engenheiro Hugh Le May e o arquiteto britânico Herbert Baker. Este último, esteve envolvido num vasto número de obras, tais como o Parlamento de Nova Delhi, o Tribunal e o Palácio do governo em Nairobi e várias escolas, igrejas e casas na África do Sul.
O hotel teve um período de construção de dezanove meses e foi inaugurado a 1 de julho de 1922. Estrutura grande e imponente que seguramente impressionou na altura e que mesmo agora, passados mais de 100 anos, continua a impressionar.
O acesso à entrada é discreto e só temos noção de todo o seu esplendor quando nos deslocamos até ao acesso da piscina. Aqui é que nos apercebemos do seu estilo apalaçado e da surpreendente localização no alto de uma colina, com uma vista fabulosa, aberta, para a baía de Maputo. A primeira vez que cheguei ao Polana foi de imediato o que me prendeu a atenção.
Quando foi inaugurado tinha condições dignas de destaque para a época, nomeadamente aquecimento nos quartos, telefone, um serviço de correios e telégrafos e um elevador. E que elevador… Eu que até costumo andar sempre de escadas, sempre que podia andava neste elevador. É mesmo encantador, antigo, com um interior forrado a madeira.
Um detalhe que nos transporta para tempos antigos, para os anos 20, em que quase se “vê” homens de chapéu e senhoras de vestido comprido a deslocarem-se para os seus quartos. Puro glamour.
A Inauguração
Imagino que o dia da inauguração tenha sido um grande acontecimento na cidade. Foi dado um jantar para 131 convidados, com muitas das pessoas que estiveram de alguma forma ligadas à construção do hotel e várias personalidades influentes e poderosas da época.
Não consigo imaginar em que sítio exatamente do hotel é que terá ocorrido este jantar, mas tenho a certeza que terá sido épico. Há muitas e boas possibilidades para a sua concretização. E isto é algo que tenho de referir sobre o hotel. No meu segundo dia de estadia é que descobri que afinal ainda havia muitos mais cantos e recantos por descobrir. E atrevo-me a dizer que esse ponto é uma das coisas que mais surpreende no Polana.
Apesar de ter sido construído numa perspectiva de “Palácio”, consegue de forma muito hábil e subtil ter vários espaços familiares, discretos e mais acolhedores. Talvez ao contrário do que se possa imaginar inicialmente, pelo tamanho de toda a estrutura. Pelo menos era o que eu esperava.
O que mais me surpreendeu foi uma zona de estilo “árabe”, com várias salas de massagem e uma piscina de água quente a fazer lembrar Marrocos, que eu tanto gosto. Não aproveitei porque não é permitida a entrada de crianças, mas fica a dica para vocês, e se forem sem crianças pequenas.
Imediatamente a seguir tenho de destacar a sala dos pequenos almoços. Toda pintada de branco, com vista para a piscina e a baía de Maputo, com ventoinhas no teto. Juro que várias vezes julguei ver o famoso Hercule Poirot e as suas cenas no exterior. O ambiente é mesmo maravilhoso.
As mudanças ao longo dos anos
Ao longo dos anos o Polana foi mudando de dono. Em primeiro lugar esteve sob a responsabilidade do sr. Kershaw e da sua mulher, posteriormente em 1936 o hotel foi comprado pelo empresário I.W Schlesinger e mais tarde por uma empresa a que estavam ligados portugueses.
Neste último período, o Polana sofreu algumas obras de reconstrução e ampliação, aproximando-se mais do que vemos hoje. A procura era muita e era importante aumentar a capacidade de resposta ao número de dormidas.
Chegou o ano de 1975, como quem diz, a independência de Moçambique. Terminou um longo período de conflito armado no país, mas por outro lado começou uma época complicada, em que o Polana entrou em declínio. E assim permaneceu durante 20 anos. Foi apenas no ano de 1994 que um grupo sul-africano adquiriu o hotel e conseguiu recuperar o seu brilho, acompanhando o que sucedeu à própria cidade, que aos poucos tendia para alguma tranquilidade…
Os moçambicanos, e viajantes estrangeiros, começaram a procurar o hotel, não só para dormir mas também para estadias mais curtas, com organização de festas, jantares e idas ao ginásio e vários outros eventos.
Com o Polana já pertencendo ao Fundo Aga Khan continuaram as ampliações e melhoramentos e a mudança de nome para Polana Serena Hotel, tal e qual é agora. Fico feliz por perceber que ao longo dos anos parece ter havido uma certa continuidade na linha do que deve ter sido pensado há 100 anos quando foi construído. O Polana é de facto um ícone da cidade de Maputo, que sofreu as agruras de um conflito, mas que deu a volta e recuperou o seu brilho. O charme continua lá.
A minha estadia resultou de uma parceria com o Hotel Polana Serena. Como sempre os meus comentários são independentes.
Dicas
Vistos: De acordo com o portal das comunidades portuguesas, os cidadãos portugueses portadores de passaporte estão isentos da apresentação de visto de entrada em Moçambique, para fins de turismo e negócio. Na altua em que eu fui ainda era.
Como chegar: O Hotel Polana Serena localiza-se numa zona central da cidade de Maputo. A 15 minutos do Aeroporto Internacional e 12 minutos da famosa Estação de Comboios.
Como visitar Maputo a partir do hotel: Em Maputo pode deslocar-se a pé, é uma cidade que não tem muitos declives. No entanto, é extensa, por isso pode precisar de um meio de transporte para se deslocar aos locais mais distantes do hotel. Eu utilizei sempre o txopela, que é o nome que localmente é atribuído a um tuk tuk. É barato e rápido (há sempre muitos a passar na estrada, pelo menos até à hora de jantar).
Para reservar a dormida: Para verificar preços e os diferentes tipos de quarto que existem pode consultar diretamente no site do hotel aqui ou em alternativa o booking aqui.
Onde comer: Fui várias vezes a um restaurante que fica pertíssimo do Polana Serana. É o Delícias da Zambézia. Toda a equipa é muito simpática e a comida é extremamente bem confecionada. Durante os dias em que estive em Maputo fui a mais um ou outro sítio mas para ser muito honesta, valeu muito mais a pena o restaurante que inicialmente vos referi.