Meia hora depois de sair do Centro Ciência Viva da Floresta (de Proença-a-Nova) cheguei à “linha” que separa este município da vizinha Vila Velha de Ródão e de imediato o que me veio à cabeça foi: como é que não vim aqui antes? Imaginem só a imponência do que vi nas Portas do Almourão. Gostei mesmo muito de conhecer Oleiros e Proença-a-Nova que têm uma belíssima paisagem verde e montanhosa, mas o que vi aqui apela-me de uma forma diferente aos sentidos. A “brutalidade”, monumentalidade e contraste das montanhas e algumas escarpas em direção ao rio fascina-me.
Vamos lá então conhecer melhor esta região para que possam tirar as vossas conclusões!
Portas do Almourão
O miradouro das Portas do Almourão localiza-se mais ou menos num dos percursos que se pode fazer entre a vila de Proença-a-Nova e o centro de Vila Velha de Ródão. Desse local mais elevado a paisagem é belíssima sendo possível observar a garganta que foi “modelada” ao longo dos anos pelo rio Ocreza, curso de água que nasce na Serra da Gardunha e que desagua no rio Tejo. A essa garganta chama-se Portas do Almourão, classificado pela UNESCO.
Para lá chegar é preciso percorrer alguns minutos de carro de estrada de terra batida (o piso não é assim tão mau) para que seja possível contemplar devidamente de que forma o rio se conseguiu encaixar na falha existente no terreno. Aqui é interessante descer até à estrutura metálica que fica meia suspensa e sentir de forma mais próxima a grandeza da mãe natureza. E de seguida permanecer em silêncio e imaginar o rio ao longo dos anos a “cortar” a paisagem, ano após ano até chegar ao que observamos hoje.
De vez em quando vale a pena olhar para cima. Andam por aqui grifos… A maior colónia portuguesa desta ave não anda longe daqui. Confesso que até há bem pouco tempo não percebia mesmo nada de aves (atenção que agora também não entendo grande coisa!) e nem estava muito atenta. Mas quando estive recentemente no vale do Côa tive oportunidade de ter um bom guia que me despertou para este tipo de aves e que me levou a observar algumas famílias de perto e isso fez-me estar mais atenta e interessada desde então. Nas portas do Almourão vi dois grifos, a voar alto e de forma majestosa, totalmente alinhados com as características da paisagem.
Perto das Portas do Almourão encontra-se uma Aldeia de Xisto (com casinhas brancas) chamada Foz do Cobrão, que eu não cheguei a visitar mas que me pareceu interessante. Nesta aldeia existem vestígios de um antigo oceano que já por aqui andou, pelo que é possível observar rochas com 500 milhões de anos e fósseis marinhos. Para quem não considerar muito relevante a existência destes vestígios antigos pode optar por visitar esta aldeia numa óptica de “gandaieiro” e procurar ouro nas margens do rio… Por estes lados parece que sempre existiu ouro, tendo sido explorado pelos romanos, até ao recente século XX. Não custa nada tentar.
Portas de Ródão
A 20 quilómetros das Portas do Almourão encontramos um outro geomonumento classificado pela UNESCO e considerado Monumento Natural. Chegámos às incríveis Portas de Ródão.
Depois de almoçar junto ao cais de Vila Velha de Ródão e já ter combinado um passeio de barco que me possibilitaria passar por entre os dois lados das Portas de Ródão, subi até ao Castelo do Rei Wamba. Além de querer conhecer este local queria muito ter um primeiro vislumbre deste ponto mais elevado localizado na margem de Vila Velha de Ródão. A “porta” do lado oposto já pertence a Nisa, ou seja, Alentejo. Tenho a certeza de que estar desse lado do rio Tejo será igualmente impressionante. Uma belíssima forma de explorar deve ser percorrendo os 11 quilómetros do Trilho do Conhal PR4 de Nisa. Há quem diga que é o percurso pedestre mais bonito de Portugal. Fiquei muito curiosa.
O castelo do Rei Wamba está sensivelmente alinhado com as portas de Ródão e relativamente próximo desta ocorrência geológica natural. É possível então ter uma perspetiva muito interessante do curso do rio Tejo mais largo e perceber que nas portas há uma aproximação de ambas as margens. Nessa zona de estrangulamento de “apenas” 45 metros de largura encontra-se a maior comunidade de grifos de Portugal. Estas aves são os maiores abutres que podemos encontrar na Europa e é aqui nestas escarpas que encontram uma zona segura para colocarem os seus ninhos, longe de eventuais predadores ou outro tipo de ameaças. Os grifos podem ter entre um e três metros de envergadura, têm um voo majestoso e altivo (pelo menos para mim), aproveitando as correntes de ar para planar. A sua existência e atividade conferem um carácter ainda mais incrível a este cenário.
Descendo da torre do Castelo do Rei Wamba é uma boa ideia deslocarmo-nos até ao miradouro de base metálica que se encontra uns metros mais à frente, em direção às portas de Ródão. Aqui é uma boa oportunidade para sentar um bom bocado, apreciar o espetáculo criado pela mãe natureza e observar o voo silencioso dos grifos.
Foi com uma tranquilidade profunda que me desloquei do miradouro onde estava até ao carro para apanhar o barco que me levaria a atravessar o espetáculo que tinha visto lá de cima. Era já quase final de dia quando entrei no barco do Sr. Eduardo e deslizei pelo rio Tejo. Minutos depois de partir do cais de Vila Velha de Ródão o barco aproximou-se da zona “apertada” do rio e senti um vento um pouco mais forte que veio serenar o calor do dia. O barco abrandou para permitir observar em detalhe e usufruir de mais tempo nas Portas e o que me chamou mais à atenção, além da óbvia imponência das escarpas, foram os grifos bebês nos ninhos a uns metros da superfície da água.
Depois das Portas a largura do curso do rio alarga novamente e nosso olhar deixa por instantes de estar virado para cima e passa para um plano inferior, para os braços serpenteantes do rio, para a “ilha” mesmo ao nosso lado e também para algumas cegonhas aqui e ali.
O barco deu a volta e passei novamente pelas Portas de Ródão. Bolas, como isto é bonito.
No barco Portas de Ródão Grifo a planar
Castelo Rei Wamba
Lá no alto, na parte mais elevada da Porta de Ródão do lado norte, encontramos um Castelo muito interessante. Além de estar num sítio lindíssimo tem associado uma lenda que envolve uma história de amor. São as mais interessantes, mesmo que dramáticas, certo?
Há muitos, muitos anos, ainda na época dos visigodos, andou para os lados de Vila Velha de Ródão, um Rei chamado Wamba. Ele era casado com uma rainha Cristã e ambos viviam no Castelo cujos vestígios perduram até agora e que são possíveis de ser visitados. Esse rei passava muitas temporadas fora em caçadas ou batalhas e esse facto pode ter “empurrado” a rainha a sentir-se sozinha e a procurar consolo no rei mouro, seu “vizinho”.
Diz-se que namoravam sentados em cadeiras de pedra, um de cada lado das Portas de Ródão. Um dia o rei fartou-se deste afastamento e decidiu ir buscá-la, tendo começado a construir um túnel debaixo de água para que fosse possível chegar à outra margem. Lendas à parte o túnel aparentemente existe. Conheci uma pessoa de Vila Velha de Ródão que me assegurou que já percorreu uma boa parte. Eu acredito. Mas voltando à lenda.
A construção do túnel não terá corrido bem, uma vez que não conduziu o rei à sua amada. Mas ele lá pensou numa alternativa e não se sabe muito bem como, foi buscá-la, trazendo-a até ao seu castelo. Logo que o rei Wamba chegou percebeu o que tinha acontecido e quis ir buscar a sua rainha. Disfarçou-se de mendigo e bateu na porta do castelo. Entrou e a sua rainha reconheceu-o, tendo de imediato a intenção de o esconder para que o pudesse denunciar ao seu novo amor. O Rei Wamba foi condenado à morte mas antes da sua hora final teve direito a um último desejo e nesse contexto terá soprado o corno que tinha levado consigo. Ninguém sabia que esse era o sinal para os seus homens, que já estavam preparados, atacarem o castelo e o resgatarem a si e à sua rainha.
De volta ao castelo a rainha foi sentenciada pela família, marido e filhos incluidos, à pena de morte. Chegado o dia foi presa a uma mó e atirada a rebolar pela escarpa abaixo. Nesse percurso terá lançado uma maldição: “Nesta terra não haverá cavalos de regalo, nem padres se ordenarão, nem rameiras faltarão”. Quando passar de barco pelas Portas de Ródão repare na escarpa do lado norte, do Castelo, e vá atento. Veja se encontra um rasto até ao rio que parece um caminho por estar sem mato. Terá sido por aqui que a rainha passou.
Antes de sair do castelo, não deixe de passar pela Capela da Senhora (do Castelo), construída mais recentemente como homenagem de um barqueiro a uma hora de aflição ao passar pelas Portas de Ródão.
Castelo Rei Wamba e Portas de Ródão Castelo Rei Wamba e Portas de Ródão Castelo Rei Wamba Capela de Nossa Senhora do Castelo Castelo Rei Wamba Miradouro para o rio Tejo
Complexo de Arte Rupestre do Vale do Tejo
Depois do passeio de barco pelas Portas de Ródão já era hora de ir para o hotel e aproveitar uns minutos para relaxar na piscina do hotel. De qualquer forma, o Complexo de Arte Rupestre do Vale do Tejo, que era o que queria imenso conhecer, encontrava-se encerrado para remodelação (e contínua pelo que sei).
Este complexo localiza-se em Vila Velha de Ródão, no Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento da vila e embora não o tenha visitado, acredito que tenha um enorme interesse, razão pela qual não quis deixar de o referir aqui.
Explorei durante 6 dias a Beira Baixa a convite da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa. Como sempre, os meus comentários são independentes.
Informação prática
Como chegar: Vila Velha de Ródão localiza-se na Beira Baixa, região centro, a 200 quilómetros de Lisboa, 239 do Porto, 120 de Coimbra, um pouco menos de Tomar e já quase “ao lado” de Castelo Branco. É possível chegar por Auto Estrada e depois mais perto da região uns minutos de Estrada Nacional apenas.
Como se deslocar: A melhor forma é deslocar-se na região de carro. Pode chegar a Vila Velha de Ródão de transporte público mas para chegar aos restantes locais que referi é impossível da mesma forma. Eu aluguei ainda em Lisboa um jeep com a Hertz Portugal e encaixou perfeitamente no estilo de viagem que eu fiz por toda a Beira Baixa, uma vez que percorri pontualmente alguns troços fora da estrada. Se puderem façam o mesmo!
Onde dormir: Para ficar mesmo na vila de Vila Velha de Ródão não existem muitas opções, pelo menos pelo que eu vi e pelo que descobri em algumas pesquisas. Eu fiquei alojada na Vila Portuguesa e gostei. É um alojamento simpático, pequeno e elegante, com piscina e uma vista muito bonita, uma vez que já está num local mais ou menos elevado. Eu apenas tive azar com o pequeno-almoço porque faltou a energia e muitas das possibilidades existentes não foram possíveis de usufruir. Claro que foi um pormenor que em nada se relaciona com a qualidade do alojamento.
Onde comer: Almocei e jantei no mesmo local, com o mesmo nome de Vila Portuguesa, uma vez que pertence ao mesmo grupo. Para mim é o melhor sítio para tomar as refeições na vila, dada a qualidade da comida, a oferta existente e não menos importante a paisagem muito bonita junto ao cais.
O que fazer: O passeio de barco que fiz foi também através da Vila Portuguesa. Se quiserem fazer o mesmo basta ligarem para o restaurante ou para o alojamento e marcarem com o Sr. Eduardo. Recomendo.