Ao quarto dia de roadtrip pela Beira Baixa cheguei ao seu coração, à cidade de Castelo Branco. Ao longo da minha vida e das minhas deslocações para a Serra da Estrela, berço dos meus avós e da minha mãe, já aqui tinha passado “mil” vezes, mas honestamente não posso dizer que a conhecia. Noutro tempo, quando não havia o mapa de auto estradas que existe hoje, uma deslocação entre Lisboa e Gouveia implicava estar meia dúzia de horas dentro do carro e passar pelo interior de várias localidades.
Mas passar apenas de relance ou parar, mesmo que seja por breves períodos, não chega. É preciso dar tempo aos locais, percorrer com tempo as suas ruas, falar com as suas gentes para pelo menos ser possível aflorar ao de leve a sua alma, os seus segredos. Nem sempre pensei e me comportei desta forma mas nos últimos anos é o que me parece mais certo.
1 – Castelo e muralhas
Cheguei a Castelo Branco a meio da manhã e fui direta à zona alta, onde se encontra o Castelo. Gosto desta primeira abordagem porque me permite ter uma noção de toda a povoação e da sua envolvência. Já tinha aqui vindo há muitos anos com os meus pais, em alguns daqueles passeios a caminho da “terra” mas há coisas que precisamos ver com outra maturidade, outro olhar. Esta é uma delas. De nenhuma outra vez tenho memória de subir à Torre de Menagem e de contemplar aquela paisagem a perder de vista onde conseguimos observar lá muito ao longe a Serra da Estrela e Monsanto… Ou mesmo que o tivesse feito o impacto que desperta em mim nunca seria o mesmo.
A história deste monumento, ou seja do Castelo, já é antiga, tendo sido aparentemente erguido pelos Templários algures no século XIII. Anos mais tarde é que foram construídas as muralhas que conseguimos ver hoje e também uma outra parte delas que já não existe. Imagino que a totalidade da linha muralhada tenha sido extensa porque envolvia toda a povoação. Castelo Branco já foi uma cidade fortificada, imaginam? Não tem nada a ver com o que vemos hoje.
Para encontrarmos uma zona mais antiga e que pode dar um pequeno vislumbre de tempos passados, temos de descer do castelo e deslocarmo-nos até à Praça Camões, ou “Praça Velha” como lhe chamam os albicastrenses. Este largo e as ruelas que a rodeiam merecem um demorado e lento passeio a pé. Até porque dois locais imprescindíveis da cidade estão por aqui, o Centro de Interpretação do Bordado e o Museu Cargaleiro.
2 – Centro de Interpretação do Bordado
Eu não fazia ideia, mas o bordado que se faz no distrito de Castelo Branco é único dentro deste tipo de manufactura em Portugal. E a pergunta que se coloca é (pelo menos para mim): porquê Castelo Branco? Que condições levaram a que esta arte seja aqui tão peculiar do resto que se faz em Portugal? É tudo isso que se descobre no Centro de Interpretação do Bordado, em plena Praça Camões, onde se encontram hábeis bordadoras a perpetuar este legado.
Por um lado, há que pensar na questão econômica, ou seja, nos materiais necessários para a execução desta arte. Tinha de haver de alguma forma, “facilidade” em obter os materiais necessários à execução do bordado. Vim a descobrir nas instalações do Centro que existia na zona a prática de cultivar linho e também uma densidade considerável de amoreiras, o alimento preferido dos bichos-da-seda. Linho e seda. Aqui está. Agora falta perceber mais sobre a temática que caracteriza este bordado.
O bordado de Castelo Branco caracteriza-se por alguns motivos ligados à fauna e flora, entre outros, mas pelo que percebi o que o torna especial é o que essas figuras bordadas de forma minuciosa podem representar, de acordo com o local onde o linho seria colocado. O cravo por exemplo tem um significado ligado à virilidade, a tulipa à riqueza e ostentação e o vaso com duas asas à fecundidade.
Podemos encontrar bordado em toalhas de mesa ou almofadas por exemplo, mas a peça mais conhecida são mesmo as colchas que as mães faziam para as suas filhas quando estas se casavam. Nestas colchas “de noivado” era comum encontrar figuras aos pares, que representavam o casal e que teriam algum significado ligado à felicidade, amor ou fertilidade.
Mais recentemente o bordado já “saiu” do tecido, espalhando-se pela cidade de Castelo Branco. É já uma manifestação artística presente na moda, nas fachadas de edifícios na calçada portuguesa.
3 – Museu Cargaleiro
Pertíssimo do Centro de Interpretação do Bordado, a uns curtos cem metros de distância, encontra-se um outro local incontornável da Cidade de Castelo Branco. É o Museu Cargaleiro que eu também ainda não conhecia.
O mestre Manuel Cargaleiro é um pintor e ceramista português que nasceu em Vila Velha de Ródão há 94 anos. Em 1990 criou a Fundação Manuel Cargaleiro com o objetivo de abrir um museu e expor tanto o seu acervo artístico como também o que foi adquirindo ao longo dos anos. Ele pretendia que a comunidade local e todos os outros visitantes que visitassem o espaço tivessem contacto com este espólio.
O Museu encontra-se dividido em dois núcleos, um antigo palacete conhecido como o “Solar dos Cavaleiros” e um edifício moderno deste século. É interessante começar pelo mais antigo, conhecer a cerâmica de Coimbra ou a que era conhecida como Ratinha (a expressão “ratinho” está ligada aos camponeses beirões) e seguir cronologicamente no tempo até obras muito mais recentes feitas pelo mestre ou por outros artistas como Pablo Picasso.
Quando sair do edifício mais recente e chegar ao largo suba as escadas. Lá no topo vai ver uma obra muito bonita no pavimento em calçada portuguesa a fazer lembrar os motivos do Bordado de Castelo Branco.
4 – O Parque do Barrocal
O Parque do Barrocal já ganhou vários prémios, entre eles o de Geoconservação e vários de arquitetura (entre eles um dos mais prestigiados a nível internacional), alguns deles mesmo antes de abrir. Saber deste “pormenor” foi logo das coisas mais interessantes que li e que rapidamente me cativou. Na visita percebi que é ainda muito mais do que isso. Não tenho dúvidas de que é um dos parques mais incríveis que temos em Portugal. Até porque além de tudo mais, está em pleno Geopark Naturtejo e Reserva da Biosfera do Tejo Internacional.
Este parque localiza-se muito perto da zona mais central de Castelo Branco, sendo por isso de fácil acesso mesmo para quem circula a pé pela cidade. Tem 40 hectares, é lindíssimo, muito interessante de vários pontos de vista, por isso é mesmo preciso reservar pelo menos duas ou três horas para lhe dar o tempo que ele merece. Se não for muito muito fã de calor e se a sua visita for num dia quente, o melhor é reservar um período do dia mais fresco, não vai encontrar muitas sombras no percurso. se só tiver disponível mesmo as horas de maior calor, demore mais e pare nos bancos que há aqui e ali. Não deixe é de ir.
Entrar no Parque do Barrocal é fazer uma viagem no tempo e ter contacto com a paisagem que tem vindo a ser “moldada” na região há 310 milhões de anos. Os barrocos, ou seja, os grandes “blocos” de granito, que caracterizam a região, nasceram no interior da terra e ao longo dos anos têm sofrido movimentos de deslocação e erosão por ação das placas tectónicas e do clima, respetivamente.
Embora Castelo Branco esteja integrado nesta paisagem quase que é algo que nos passa despercebido, dada a densidade de casas e outros edifícios que por aqui existem. Mas claro que isso não acontece apenas aqui, mas sim em todas as cidades. Demasiado “ruído” distrai-nos da natureza. Felizmente há locais como este Parque, que nos permitem voltar às origens, compreender o contexto onde estamos e isso na minha opinião é fantástico.
O percurso é simples, claro de identificar e possibilita visitar vários mirantes com paisagens lindíssimas, conhecer estruturas tais como como o Túnel do Lagarto ou o Observatório dos Abelharucos e tomar contacto com algumas formações geológicas com grande interesse.
Explorei durante 6 dias a Beira Baixa a convite da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa. Como sempre, os meus comentários são independentes.
Informação prática
Como chegar: Castelo Branco localiza-se na Beira Baixa, região centro, a 225 quilómetros de Lisboa, um pouco mais do Porto, 138 de Coimbra e 58 da Covilhã. É mesmo ao lado da auto estrada A23.
Como se deslocar: A melhor forma é deslocar-se na região de carro. Eu aluguei ainda em Lisboa um jeep com a Hertz Portugal e encaixou perfeitamente no estilo de viagem que eu fiz por toda a Beira Baixa, uma vez que percorri pontualmente alguns troços fora da estrada. Se puderem façam o mesmo! Especificamente neste dia o carro acabou por ser utilizado quase sempre para realizar percursos muito curtos, uma vez que todos os pontos que visitei são no centro da cidade. A única exceção foi o local onde dormi que já era fora da cidade.
Onde dormir: Castelo Branco é uma cidade grande e tem muitas possibilidades de alojamento. Eu preferi ficar num lugar mais calmo, que me permitisse estar em contacto com a natureza e fiquei em Póvoa de Rio de Moinhos na Herdade do Regato. Adorei a experiência e recomendo. Tem uma piscina super convidativa e um antigo lagar transformado em restaurante, com refeições muito boas. Para a experiência ser perfeita faltou apenas reservar mesa não no interior mas sim no alpendre.
Onde comer: Almocei num restaurante vegetariano localizado no centro e o jantar foi na Herdade do Regato onde fiquei a dormir.
A Herdade do Regato não fica em Alcains mas sim na Póvoa Rio de Moinhos
Olá Pedro 🙂
Tem toda a razão, já fui confirmar. Corrigido!