A Maria é a minha filha e tem 3 anos. Decidimos ir viajar os três (eu, a minha mulher e a Maria), o que não é nada que não tenhamos já feito. O que foi diferente foi o facto de ser para mais longe (Indonésia) e ser por um período de 33 dias.
1 – A preparação
Conseguimos com muita dificuldade colocar tudo numa mala de porão e duas mochilas, incluindo uma série de medicamentos para emergências, e levámos também o carrinho de bebé, que não pode faltar, para as sestas e passeios mais longos.
Nunca tinha ido para a Ásia e nunca tinha feito uma viagem tão longa, mas engoli em seco ao pensar em tirar a Maria das suas rotinas e ambientes do dia-a-dia, ganhei coragem e disse: “vou-te mostrar um pouco do mundo”.
2 – Experiências de viagem
Há quem diga que viajar com a idade da Maria é um desperdício de tempo, dinheiro e paciência, pois ela não se irá recordar de nada quando for mais velha. Eu quero acreditar que não é verdade, não só pelas várias fotografias e vídeos que lhe mostrarei daqui a uns anos para relembrar as aventuras que vivemos em família, mas também pela reação dela a situações, ambientes e vivências únicas desta viagem e de todas as outras.
As expressões faciais, reações e perguntas que ela fez em determinadas situações tornam evidente que para ela são coisas novas e que deixam marca na sua experiência de vida. E, para os mais céticos, se tudo isto continuar a não ser suficiente, eu estive lá com ela e ficou na minha memória…
Situações como conviver com macacos bebés em ambiente aberto, trepar escadas de templos com mais de 1000 anos, chegar a um hotel após termos vindo de outro com qualidade muito baixa, entrar na casa de banho e exclamar “Pai, este tem papel higiénico”; acordar-me de manha e dizer “Pai, pai acorda, temos de ir, rápido” porque no dia anterior contei-lhe que iríamos ter um dia dedicado só a ela num parque com atividades para crianças e ela acordou a pensar nisso.
Ou mesmo simples rotinas que criava em três ou quatro dias, como quando chegávamos de carro a sítios com os quais já estava familiarizada, saía logo a correr porque já sabia qual a porta do nosso quarto no hotel, ou porque havia um cão ou gato com quem ela já estava à vontade ou um restaurante onde ia escolher uma mesa…
Em Ubud, onde ficámos uma semana, “Pai quero gelado e festinhas a gatos”, querendo repetir todos os dias uma gelataria porque tinha gelados espetaculares e cinco gatos nas traseiras onde ela passou horas a fazer festas.
3 – Dificuldades e imprevistos
O início das viagens nunca é fácil, após 17 horas de voo de noite em que dormimos uns escassos minutos e com jet lag, a paciência é muito pouca e as discussões a três são quase inevitáveis. Mas estamos num sitio novo, numa cultura diferente, de férias e isso permite superar o sono e a má disposição.
Houve alguns imprevistos na viagem. A Maria fez alergia a alguma coisa que comeu e ficou dois dias com febre e borbulhas um pouco por todo o corpo. Tivemos algumas noites difíceis mas os planos diários foram cumpridos e recuperou com um anti-estamínico.
Por outro lado, não se constipou durante o mês inteiro, coisa que já não acontecia desde que começou a escola em setembro.
Tivemos também problemas com uma das viagens de avião e outra de comboio, o que fez com que perdessemos algum tempo e muita paciência, mas conseguimos arranjar alternativas.
Inesperado também foi o transito infernal que apanhámos em Java, o que fez com que as viagens de carro fossem muito difíceis, com a Maria a pedir 1001 coisas e um desespero para todos. Nas situações em que a Maria se sente impaciente, como por exemplo nas viagens longas, ou insegura, como em ambientes com muito barulho ou outros fatores agressivos, ela pede a manta e a chupeta (com que dorme praticamente desde que nasceu), e isso dá-lhe a segurança e tranquilidade que ela precisa. Como se se isolasse num mundo que é só dela, numa bolha inviolável em que mais nada nem ninguém podem entrar.
4 – Atividades para a Maria
A Maria é uma criança “mexida” como a maioria das crianças da idade dela. Quer correr em zonas movimentadas, com carros e outros perigos à espreita. E quando temos de andar a pé, para irmos ver qualquer coisa, muitas vezes locais onde não podemos levar o carrinho de bebé e normalmente já estamos esgotados, e tem espaço e liberdade para nos acompanhar, quer colo e diz estar muito cansada…
Há dias ou partes de dia difíceis, que normalmente coincidem com as alturas em que vamos ter de andar mais 🙂 Lembro-me quando fomos aos campos de arroz e a Maria com os seus 14kg, logo após chegarmos, a pedir colo. O percurso do passeio era longo e desnivelado, com degraus de diferentes tamanhos e feitios, difícil até para adultos.
Mas a Maria é compreensiva e depois de lhe explicar que teria de ir a pé e só lhe poderia dar colo na subida final, reclamou mais um pouco mas fez tudo.
O importante é ir conciliando os locais que nós queremos ver e que para ela não têm tanto interesse (templos, paisagens) com outros locais ou atividades que a entusiasmem, e há coisas espetaculares onde também eu me divirto.
Neste caso dos campos de arroz, após a primeira subida andámos num baloiço pendurado em duas palmeiras e com uma vista magnífica sobre o vale.
Ao longo da viagem fomos escolhendo algumas atividades para a Maria. Fomos a um restaurante com coelhos à solta no jardim, a um parque de macacos, a um centro comercial com insufláveis, andámos de tuk-tuk.
Outras distrações surgiram com naturalidade, sobretudo do convívio com crianças locais. Jogou futebol com uma garrafa de água vazia, dançou nas rua de Java, acompanhou e ajudou a senhora que fazia limpeza das Villas num alojamento em que ficámos, brincou no lago junto às Petronas, sentou-se junto a meninas locais nas viagens de comboio e tirou muitas fotografias com pessoas de diferentes idades…
5 – A curiosidade
A Maria está na idade dos porquês. Ela ainda não diz “porquê”, mas sim “porque”. Se no dia-a-dia os “porques” já são muitos, muitos mais são em viagem com muitas coisas novas. É isso que lhe permite assimilar a viagem, a curiosidade e sede de respostas.
Os porquês que lhe permitem entender o mundo. Uns fáceis de explicar, outros que por vezes nos levam por pensamentos e sentimentos profundos e tristes…
Alguns exemplos desta viagem: referindo-se a uma menina de 5/6 anos com lenço na cabeça “porque tem aquilo na cabeça?”. Ou uma praia cheia de plásticos, garrafas, latas e outro lixo na água “porque puseram o lixo na água?”. Ou em alguns templos que me davam um sarong para tapar as pernas e a Maria “porque tens uma saia? Também quero” e lá lhe davam um sarong também.
Ou quando fomos a um templo e os macacos que andavam pelas escadas roubaram o saco de cajus que estávamos a comer e ela ficou muito triste passando a tarde a perguntar “porque os macacos roubaram os cajus? São maus?”
6 – O amigo imaginário
Já estávamos há alguns dias fora de casa e a Maria pede-me o telemóvel numa viagem de comboio. Quando pergunto para que quer o telemóvel ela responde-me “É para mandar uma mensagem ao Mogly” suponho ser assim que se escreve…
A partir desse dia, todos os dias até regressarmos a casa ela pede-me o telemóvel quando há um tempo morto. Abro o gmail e ela escreve um email novo…
Um dia perguntei-lhe onde estava o Mogly. Ela respondeu-me “Está no hotel”. Pergunto com quem “Com o pai e com a mãe”. O Mogly é o amigo imaginário da Maria que se encontra a viajar com o pai e a mãe por outra parte qualquer do mundo.
É o seu amigo e confidente, com quem troca experiências e com quem tem em comum andar a conhecer o mundo. E isso conforta-a e dá-lhe segurança nesta longa viagem longe de casa.
7 – Uma scooter em Bali
Alugámos uma scooter durante uns dias para nos deslocarmos de forma rápida, barata e prática em Ubud. Nunca me passaria pela cabeça andar com a Maria de mota em Portugal, por ser proibido, mas acima de tudo perigoso.
Mas estamos na Indonésia e comportamo-nos como locais. Aqui chegam a andar cinco pessoas numa mota. A Maria ia à frente e era ela a responsável por pôr a mota a trabalhar e apitar cada vez que via um cão, como se fosse um “olá”.
No segundo dia, depois de várias viagens, subi para a mota para mais uma viagem. A Maria põe a mão no meu braço e com o ar mais sério e tranquilo possível diz “Pai, hoje levo eu a mota” com um grande sentimento de responsabilidade, como se já tivesse aprendido como se fazia e estivesse na hora de mostrar o que aprendera. A minha reação foi sorrir e dizer “Maria, tens tempo de crescer”.
8 – Os voos e a referência TAP
Estamos tão longe de casa e apanhámos alguns voos para nos deslocarmos. Sempre que contámos à Maria que iríamos apanhar um avião para um novo destino a pergunta dela foi sempre a mesma “É da TAP?” E eu respondo “Não Maria, estamos muito longe de casa, aqui não há aviões da TAP”, ela suspira e diz “ohhh” com um ar triste.
É a referência que ela tem de companhia de aviação. É a empresa onde eu trabalho e é nos aviões da TAP que ela viaja desde pequenina e quase sempre.
Lembro-me de um episódio em Natal (Brasil) tinha a Maria 1 ano e após 2 semanas de férias chegámos ao aeroporto para voltar para Lisboa. Ela viu o logótipo e cores da TAP junto aos balcões de check-in e fez um sorriso enorme a apontar para aquela zona. Para ela foi uma alegria e um conforto enorme, reconhecer qualquer coisa familiar após vários dias num ambiente diferente.
9 – O regresso a casa
Um dia antes de apanharmos os voos de regresso a casa explicamos à Maria que vamos ter de voltar a casa. Ela diz “Ohh, porque?” Mas eu não estava preparado para este “porque” e não tenho resposta. Pergunto apenas se não tem saudades do quarto dela e ela diz que não, que quer continuar a passear.
E a seguir faz-me a mesma pergunta que eu fiz, “Tu tens pai?” E isso deixa-me a pensar. Realmente também gostaria de continuar e não sei porque temos de voltar, mas será só uma pausa Maria, brevemente voltaremos a correr o mundo.
10 – Cumplicidade única
Não é fácil viajar com crianças. A mala torna-se mais pesada, é necessário um cuidado adicional na escolha do destino, do alojamento, dos locais onde comemos ou visitamos. É preciso adicionar momentos “mortos” ou com atividades para elas, e é necessária alguma dose de paciência adicional e de força física e mental.
Há quem diga que as crianças são um “fardo” a carregar nas viagens e opte por deixá-las em casa, para os pais poderem “descansar”.
Eu prefiro considerar a Maria como uma companheira de viagens, com a qual partilho experiências. E considero as viagens como uma componente fundamental da sua educação.
Estar com a Maria 24 horas por dia permite criar uma cumplicidade única entre nós e saber o que podemos esperar um do outro. Muitas vezes dou-lhe alguma liberdade para explorar o mundo e vejo outras pessoas incomodadas com isso, considerando-me excessivamente descontraído e talvez irresponsável.
Mas eu estive com a Maria 24 horas por dia durante 33 dias e isso permite-me dizer com confiança que eu conheço a minha filha e ela conhece-me também…
Gostei
Quando era pequeno também fazia os meus ultimatos TAP 😉 Ou era TAP ou então parecia que perdia a graça! Quem diria que ainda me tornaria num geek de aviação eheh
Olá Miguel 🙂
Ela está tão habituada à TAP, sente-se quase em casa, é engraçado…. A sério, gostas muito?