Macedo de Cavaleiros é um município localizado em Terras de Trás-os-Montes, no nordeste de Portugal. Diz uma lenda que viviam na região dois cavaleiros que eram conhecidos por utilizarem maças (antigas armas) nos seus combates. A sua bravura era tal que o rei concedeu ao território onde eles viviam o nome de Macedo de Cavaleiros, nome que ficou até aos dias de hoje.
Esta é uma história interessante, algo grandiosa, mas verdade seja dita que na realidade tudo indica que a origem do nome deve estar relacionada ou com a existência de terra fértil na zona que dá boas maçãs (“macedos” em português antigo) ou com a história do cavaleiro Martim Gonçalves de Macedo, herói da Batalha de Aljubarrota, pelo facto de ter salvo o Mestre de Avis.
Independentemente do que deu origem ao nome, Macedo de Cavaleiros é uma terra com um riquíssimo património natural, geológico, histórico-cultural e de biodiversidade, localizado em terras de transição entre a Terra Fria (mais a norte) de castanheiros e a Terra Quente Transmontana, de oliveiras.
Geopark Terras de Cavaleiros
Um Geopark é uma área que ocupa um determinado território e que tem um património geológico notável. Em Macedo de Cavaleiros existe o Geopark Terra de Cavaleiros e o seu limite coincide com o limite do próprio concelho. Por esta razão, falar do município é falar obrigatoriamente do geopark.
Eu não fazia a menor ideia mas aqui há um património geológico de enorme relevância, com uma história que nos faz percorrer 540 milhões de anos, o que é fantástico mesmo para quem como eu que não percebe muito de geologia. Mas se nos informarmos ou se nos fizermos acompanhar das pessoas certas (Pedro!), é possível constatar que estar em terras que já integraram dois continentes e um oceano é mesmo fantástico. Para mim foi mesmo incrível.
Geossítios
Em todo o Geopark Terras de Cavaleiros existem 42 geossítios, o que significa que existem vários locais com um interesse particular para a geologia (ciência que estuda a estrutura da Terra, a sua origem, a sua natureza e as suas transformações). Quando estive em Macedo de Cavaleiros fui conhecer três deles, com o geólogo do Geopark e foi uma experiência muito rica, em que aprendi muito sobre algo que não sabia quase nada. Fiquei mesmo com muita vontade de voltar e de conhecer mais.
G31 – Gnaisses da Lagoa
Numa das margens do Rio Sabor, próximo à aldeia de Lagoa, erguem-se rochas com mais de 500 milhões de anos, chamadas Gnaisses. À primeira vista percebemos que são um pouco diferentes do que vemos habitualmente, mas não muito mais do que isso. Mas como sempre diria eu, é preciso ir mais longe. É preciso perceber o que estamos a ver. E o que estas pedras nos contam é absolutamente impressionante.
Para percebermos o seu significado temos de voltar muito tempo atrás na história do nosso planeta, até ao tempo em que ainda nem sequer tinham aparecido os dinossauros. Os continentes não eram o que são hoje, pelo que estavam “arrumados” de uma outra forma. Nessa altura existia o mega continente Laurentina, o continente Gondwana e o oceano Rheic. Conseguem imaginar?
Tendo essa imagem na cabeça agora é preciso ter presente que a Terra tem ciclos e os continentes ora se aproximam, ora se afastam. A uma certa altura os tais continentes Laurentina e Gondwana chocaram e desse “embate” surgiram umas rochas com características únicas que foram sujeitas a uma elevada pressão e temperatura. São os Gnaisses.
É ou não incrível?
Estas rochas testemunham a existência de um pequeno continente, anterior à formação do supercontinente Pangea que deu origem aos continentes tal como agora os conhecemos.
Placa dos gnaisses Gnaisses da Lagoa Gnaisses da Lagoa
G32 – Descontinuidades de Conrad e Moho
Começo por dizer que conhecer este lugar impressionou-me imenso, ainda mais do que os Gnaisses da Lagoa, que já foram incríveis.
Quando chegamos a este Geossítio vemos três elevações ao longe, envolvidas em todo um cenário muito bonito, montanhoso e verde. Mas o impressionante deste lugar é a “leitura” que tem, que é mesmo muito mais do que apenas a sua beleza.
Para percebermos este Geossítio temos de compreender um pouco sobre a constituição química da Terra. O nosso planeta é constituído por camadas, sendo elas a crusta, o manto e o núcleo, sendo a crusta a externa, o manto a que se encontra por baixo dela e o núcleo a camada mais interior de todas. A crusta continental (também existe a oceânica, mas é a continental que interessa neste caso) está dividida em superior e inferior, sendo o que as distingue a sua composição química.
O que importa mesmo reter aqui é que entre essas camadas com materiais diferentes, existem descontinuidades, onde as ondas sísmicas sofrem alterações na sua propagação. Entre a crusta superior e a inferior existe a Descontinuidade de Conrad e entre a crusta inferior e o manto existe uma outra chamada de Descontinuidade de Moho. O que é incrível é que estas duas descontinuidades que normalmente estão a dezenas de quilómetros de profundidade, aqui em Macedo de Cavaleiros estão à vista dos nossos olhos. Isto é ou não é mesmo brutal?
Agora é preciso olhar novamente para as três elevações que estão à nossa frente neste Geossítio e ter em mente a existência das duas descontinuidades sísmicas (a primeira entre a crusta superior e a inferior e a segunda entre a crusta superior e o manto). De seguida temos de imaginar as três elevações num plano perpendicular ao que estão neste momento. Ou seja, a elevação que está do lado esquerdo está em cima nesse plano imaginário, a que está no meio está agora no centro e a elevação que está à direita está agora por baixo.
Já viram que entre as três elevações existe sempre uma zona mais baixa? Pois bem, aqui estão as Descontinuidades de Conrad e de Moho.
Descontinuidades de Conrad e de Moho Duas pedras provenientes de locais diferentes do interior da terra
G36 – Poço dos Paus
No rio Azibo, afluente do rio Sabor, num local muito próximo do Convento de Balsamão encontra-se o Geossítio Poço dos Paus. E tal como acontece quando visitamos os Gnaisses ou as descontinuidades sísmicas, à primeira vista é quase impossível perceber o seu significado. Pelo menos para pessoas que tal como eu tenham conhecimentos mesmo muito reduzidos de geologia (para não dizer nenhuns).
É preciso então recuar 420 milhões de anos, até à época em que os continentes estavam “arrumados” de uma outra forma e existia um mega continente Laurentina, o continente Gondwana e o oceano Rheic . Neste Geossítio é preciso focar neste último.
O choque que ocorreu entre os continentes fez desaparecer o oceano Rheic e isso fez com que tivessem sido trazidas à superfície as rochas que se formaram na sua parte mais funda. Essas rochas que antes estavam no fundo do antigo oceano Rheic e que aqui neste ponto estão à superfície e que conseguimos observar, são exatamente o mesmo tipo de rochas que existem nas profundezas do fundo do oceano Atlântico. Visitar o Poço dos Paus é por isso mergulhar até ao fundo do oceano.
São de destacar os diques e os gabros, bandas de rochas, que não são mais do que canais de lava que ascenderam do interior da terra e que “rasgaram” o fundo do oceano. Como esse fundo veio aqui até à superfície conseguimos conhecê-los.
Poço dos Paus Poço dos Paus
A Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes foi responsável pela organização desta blog trip de 3 dias por Macedo de Cavaleiros. Como sempre, os meus comentários são independentes.
Informação prática
Como chegar: Macedo de Cavaleiros localiza-se em Trás-os-Montes, na região nordeste de Portugal, a 452 quilómetros de Lisboa, 181 do Porto e 83 de Vila Real.
Como chegar e se deslocar: Para chegar à cidade de Macedo de Cavaleiros pode ser utilizado carro ou autocarro, desde imensos locais do país. Recomendo pequisar a Rede Expressos por exemplo. Se quiser conhecer os Geossítios que conheci a melhor maneira é mesmo utilizar carro para ter mais liberdade de movimento e possibilidade de fazer outras paragens.
Onde dormir: Em ambas as noites que estive em Macedo de Cavaleiros dormi na Casa da Fraga, em Ferreira, um pequena aldeia a cerca de trinta minutos da sede do munícipio. Gostei imenso. A Luísa, dona do alojamento, recebe como se fossemos velhos amigos a regressar.
Onde comer: Eu jantei na Casa da Fraga, o alojamento onde dormi, e também na Casa do Lago junto à Praia da Fraga da Pegada e no Solar do Chacim. Comi sempre muitíssimo bem.
ATenho muita vontade de conhecer, meu avô nasceu em Macedo de Cavaleiros e aos 14 anos veio para o Brasil com um amigo. Em minhas pesquisas descobri a existência de uma praça que tem o mesmo nome de meu pai, fiquei em dúvida se seria apenas coincidência. Abçs
Olá Ronaldo 🙂
Que história interessante… quem sabe não estará relacionado. Ai está uma forte razão para ir descobrir!
Um beijinho