Para falarmos do Kruger Shalati temos de voltar atrás, para o tempo em que existia uma República chamada Transvaal na zona norte da África do Sul. O presidente dessa República, Paul Kruger, criou nessa área uma zona dentro da qual os animais estivessem protegidos, chamada Sabie Game Reserve, que viria a ser a “mãe” do que conhecemos hoje como Parque Nacional Kruger (veja aqui tudo o que precisa saber sobre uma visita independente).
Pela altura da dita República já era conhecida a existência de ouro no território e a forma que houve de escoar esse material valioso para o resto do mundo, foi através da construção de uma linha de comboio desde Tzaneen até Komatipoort. E daí foi realizada também a extensão para o que é hoje a cidade de Maputo. (Para quem tiver mais curiosidade adianto que a história que rodeia esta linha de comboio é tumultuosa e desafiante… Neste artigo não irei detalhar muito mais, mas sugiro a pesquisa.)
O primeiro troço da Selati Line foi a ligação realizada entre Komatipoort, mais a sul e Sabi Bridge, como quem diz Skukuza. A segunda etapa do troço foi desde a ponte até Tzaneen, a norte, onde se encontravam os territórios com ouro. Já com a linha em pleno funcionamento, começaram a ser realizados passeios com paragem na incrível ponte sobre o rio Sabie. A perspetiva elevada da ponte relativamente ao rio e à savana, proporciona uma paisagem absolutamente deslumbrante. Tão verdade nessa época como agora.
No mapa que se encontra em abaixo deste parágrafo, podem conhecer a localização dos locais que já referi, para ajudar a perceber onde seria a histórica linha.
O sucesso desses passeios foi tal, que uns anos depois de terem início, após a abertura do Parque Nacional batizado com o nome do presidente Kruger, continuaram a realizar-se para os muitos turistas que aí chegavam. Imagino como seria chegar ao parque dessa forma e de viajar por lá, adorava ter experimentado… até porque o comboio é o meu meio de transporte preferido.
Foi no ano de 1973 que o comboio percorreu pela última vez a Selati line. Hoje em dia pouco é possível ver desta linha (pelo menos eu não consegui encontrar) e do comboio, mas se forem ao Parque Nacional Kruger conseguem ainda conhecer a locomotiva restaurada no recente ano de 2020. Ela está em Skukuza, onde alguns anos antes viajantes de comboio paravam para se deslumbrar na Sabi Bridge.
É exatamente na deslumbrante Sabi Bridge (Skukuza) que se encontra um hotel único, fascinante, luxuoso, discreto e elegante, onde na minha opinião, todos deveriam ir, pelo menos uma vez na vida. Chama-se Kruger Shalati – Train on the Bridge (para encurtar irei referir-me apenas como Shalati), que como o nome já indica, é um comboio que se localiza na ponte, sobre o rio.
A antiga locomotiva da linha Selati está perto (a uma curtíssima caminhada a pé), e também isso nos permite transportar para o tempo em que aqui chegavam viajantes de comboio. Todo este contexto histórico fez com que para mim, a experiência já estivesse completa. Vão por mim, é algo a não perder.
Quando cheguei à entrada do Shalati já estava então mesmo feliz. Mas assim que entreguei a chave do carro, tive a clara sensação que o melhor ainda estava para vir. Acho que pela simplicidade e elegância, simpatia do staff e por todo o tema do hotel remeter para a histórica paragem da linha Selati.
O alojamento é composto por 24 quartos integrados no comboio que foi colocado propositadamente na antiga linha de comboio e mais sete que se encontram logo ao lado, nos jardins, mais perto da zona do restaurante principal. É política do Shalati, por razões de segurança, não permitir a permanência de crianças da idade da Maria (oito anos) no comboio por isso ficámos em dois quartos na segunda zona que indiquei. Felizmente consegui que me fizessem uma visita a um quarto no comboio. É ainda mais especial, tal como imaginava.
Ao longo de todas as carruagens existe um passadiço de madeira, pelo que é possível percorrer toda a extensão do comboio (vale a pena). Na ponta mais afastada da receção existe um espaço destinado a refeições de grupos super intimista e mais ou menos na zona central de todo o comboio o que para mim é a “jóia da coroa”. Aqui dá para atravessar o comboio no sentido transversal, ou seja, caminhar entre dois quartos. Entramos num bar e seguidamente numa porta que nos leva para uma pequena piscina virada para a savana e para o rio. É lindo estar aqui.
Depois de uma visita aos nossos quartos (contíguos, com ligação direta), fomos jantar na zona exterior, ao ar livre. A luz era difusa, aqui e além existiam uns candeeiros e lareiras de exterior a pintalgar a noite de lua cheia. Ao fundo estava o comboio na ponte e de vez em quando ouvia uns sons de animais que não consegui decifrar quais seriam. Algumas horas depois, de manhã bem cedo, integrei o único passeio ao parque que fiz com guia (andei seis dias inteiros de carro alugado em Maputo, de forma independente).
Logo que saímos do Shalati tivemos uma sorte enorme e assistimos de perto a um confronto de dois grupos de leões, com perseguição e rugidos à mistura. Foi quase um episódio da BBC Vida Selvagem, pelo menos para mim! Seguiram-se ainda três horas de observação de vários animais, tais como girafas e hienas.
Na volta ao hotel houve novo pequeno-almoço, mais completo, no espaço onde tínhamos jantado na noite anterior. Desta vez com mais luz, com absoluta nitidez, o comboio e a savana. Outro ambiente, igualmente interessante. Aqui sentada, quase que “vi” os antigos viajantes da linha de comboio Selati a trocar impressões da sua experiência, da sua paragem na Sabi Bridge.
Memorável.
Vistos: De acordo com o portal das comunidades portuguesas, os cidadãos portugueses que pretendam visitar a África do Sul em turismo não necessitam de visto. À chegada será concedido um visto por 90 dias. É necessário apresentar passaporte eletrónico com validade de 6 meses e com pelo menos, duas páginas livres. Se chegar ao Kruger por outro país, verifique também as condições de entrada. Por exemplo, Moçambique neste momento já não exige visto.
Como chegar: Podem chegar ao Kruger de carro (vindo de Moçambique, do Zimbabwe ou da África do Sul), ou de avião, sendo o aeroporto Kruger Mpumalanga o que se encontra mais próximo. Mas atenção que são poucas as companhias aéreas que voam para este aeroporto. A grande maioria dos visitantes penso que voa para Maputo ou para Joanesburgo e depois aluga carro (tal como eu fiz).
Como se deslocar: No interior do Kruger podem circular apenas de carro, caravana ou algo similar. Não há alternativa a isto. Se tiver carro próprio é fácil chegar ao Kruger Shalati, caso contrário sugiro contactar diretamente o hotel, tenho a certeza de que irão ajudar.
A minha estadia resultou de uma parceria com o Kruger Shalati – Train on the bridge. Como sempre os meus comentários são independentes.
Bem que brutal, ou memorável como disseste tu! Uma viagem nesse comboio devia ser fantástica mesmo! Mas poder ficar aí e imaginar como era, já é incrível! Que inveja, boa! ☺️