No início do ano comecei a planear a minha viagem ao Brasil. Já lá tinha estado algumas vezes, uma delas na região de Natal e queria agora percorrer a costa a partir daí no sentido sul. Depois de muita pesquisa e de falar com algumas pessoas que conhecem bem o país, decidi voar para Recife e explorar toda a costa até Macéio. Deixei de fora João Pessoa que era um ponto que também gostava de conhecer.

Dessa pesquisa acabei por conhecer uma região sobre a qual pouco já foi escrito, Cabo de Santo Agostinho. Todos me aconselharam a ir de imediato de Recife para Porto de Galinhas, que é super turístico. E é exatamente neste percurso que se encontra essa pérola escondida chamada Cabo de Santo Agostinho.

Vou-lhe dar dez razões para ir já lá.

1 – É o local onde há milhões de anos a América do Sul se separou de África

Há vários milhões de anos atrás existia um supercontinente a sul da linha do equador que incluía a América do Sul, a Austrália e a Índia, por exemplo. O Brasil estava “colado” a África, mais precisamente ao que é atualmente o território ocupado pela Nigéria.

Essa grande massa continental começou a fragmentar-se e as placas tectónicas Americana e Africana movimentaram-se lentamente, em sentidos opostos. A rutura final dos continentes realizou-se na região da Nigéria e em Cabo de Santo Agostinho. No decorrer desta separação (já nos últimos estágios) surgiram por fusão da crosta terrestre, as rochas que constituem o Granito do Cabo, um enorme corpo semicircular com quatro km2. Esta é uma zona alta que chega a atingir 60 metros, onde se localiza hoje em dia a Casa do Faroleiro e o antigo Convento Carmelita. No ponto mais alto do Granito encontra-se a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré.

Casa do Faroleiro
Casa do Faroleiro

Nas áreas adjacentes ao local onde se encontra o grande bloco de granito deu-se também uma intensa atividade vulcânica, que moldou algumas das praias da região.

O planeta terra fez história aqui.

2 – Foi aqui que o espanhol Vicente Pizon terá chegado antes da chegada “oficial” de Pedro Álvares Cabral

Em março do ano de 1500 Pedro Álvares Cabral deu início a uma viagem que tinha como objetivo chegar à Índia. Mas ele afastou-se do continente africano e os ventos levaram-no para outro local e foi dessa forma que chegou às terras de Vera Cruz, a um monte que ficou designado por Monte Pascoal, no estado da Bahia. Diz a história que foi esta a primeira vez que chegaram europeus ao Brasil.

Mas na realidade vários estudiosos indicam que alguns meses antes, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón já tinha chegado ao Cabo de Santo Agostinho, ao lugar mais ocidental de Pernambuco. Na baía de Suape encontra-se atualmente a placa que assinala esse facto.

Baía de Suape (a partir do Mirante do Paraíso)
Baía de Suape (a partir do Mirante do Paraíso)

Provavelmente a chegada de Pinzón não terá sido reconhecida devido ao Tratado de Tordesilhas. Este era um acordo entre Portugal e Castela que serviu para definir as áreas de domínio entre estas duas grandes potências da época. O navegador não tomou posse do local porque deveria ter noção de que estava em terras portuguesas, marcadas pelo Tratado.

3 – Tem uma igreja conhecida como “vela branca”

No ponto mais alto (do granito) do Cabo foi construída pelos portugueses a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, onde havia uma vila com o mesmo nome. Este templo servia de referência para os navegadores, uma vez que avistada ao longe parecia uma vela branca. É pequena e simples mas interessante de conhecer, até pela importância que teve. Além da igreja é possível visitar também a sacristia. Os sinos são originais e ainda tocam.

Algum tempo mais tarde da edificação, mesmo junto à Igreja foi construído um Convento Carmelita. Atualmente há pouco para ver, apenas alguns arcos do claustro e as bases dos restantes. É interessante ver no pavimento do claustro a existência de pequenas linhas que convergem para o centro. No tempo em que existiam frades, este sistema funcionava como chuveiro no piso inferior, onde se dava o aproveitamento da água da chuva para os banhos.

Igreja de Nossa Senhora de Nazaré e Convento Carmelita
Igreja de Nossa Senhora de Nazaré e Convento Carmelita
Ruínas do Convento Carmelita
Ruínas do Convento Carmelita

Vale também a pena conhecer as pequenas lojas que se encontram no largo da Igreja e do Convento, em especial a de licores artesanais.

A uma caminhada de alguns minutos, em direção ao mar, encontra-se o cartão postal de Cabo de Santo Agostinho. É a antiga casa do Faroleiro, uma edificação de dois pisos do século XIX que servia de moradia e de depósito de equipamentos do farol. Este encontrava-se mesmo ao lado, mas já ruiu.

Eu tive sorte e neste local consegui ver uns urubus, as enormes aves de rapina. O cenário deste local é incrível.

4 – Foi no Engenho Massangana que viveu o maior abolocionista brasileiro

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, chegou também a plantação da cana-de-açúcar que teve tanto sucesso que acabou por se tornar a base da economia colonial. Este tipo de cultura desenvolveu-se em algumas regiões do país, mas o principal produtor era o estado de Pernambuco, devido aos solos férteis e ao clima.

Para responder à avidez de açúcar dos Europeus, foram construídos em Pernambuco mais de 100 engenhos da cana-do-açucar, com utilização de mão-de-obra escrava, indígena e trazida de África. Cada engenho era uma estrutura de grande extensão onde se encontrava a plantação da cana-de-açúcar, várias casas onde os escravos trabalhavam este produto até ser extraído o açucar, a senzala que era uma casa comum para todos os escravos, a casa grande do dono do engenho e uma capela onde se realizavam as cerimónias religiosas.

De entre todos os engenhos destaca-se o Engenho Massangana, que se localiza em Cabo de Santo Agostinho. Foi aqui que viveu alguns anos o mais famoso abolocionista brasileiro, Joaquim Nabuco. É possível visitar o Engenho Massangana, visitar a antiga casa colonial dos proprietários e a capela onde Nabuco foi batizado. Muito provavelmente foi aqui, onde teve contacto durante vários anos com escravos, que suas as ideias revolucionárias começaram a surgir. O seu esforço contribuiu para que no ano de 1888 tenha sido oficialmente extinta a escravatura no Brasil.

Antiga casa colonial do Engenho Massangana
Antiga casa colonial do Engenho Massangana
Capela do Engenho Massangana
Capela do Engenho Massangana

 

5 – Tem árvores que “andam”

Do lado sul do enorme Granito do Cabo, encontra-se a baía de Suape, o local onde desagua o rio Massangana e Tatuoca. Numa outra época já foi um ponto estratégico muito importante na defesa da costa brasileira, tendo sido um cenário de disputa entre portugueses e holandeses.

Nesta zona de transição entre o ambiente terrestre e aquático existe um ecossistema de transição, característico das regiões tropicais e subtropicais, que é o manguezal. É neste encontro das águas do rio e do mar que os peixes, moluscos e crustáceos encontram as condições ideias para se reproduzirem e abrigarem. Há imensa publicidade nesta região do Brasil em defesa deste ecossistema: Mangue é vida. Realmente dá para perceber porquê.

Um dos tipos de mangue mais interessante que existe é aquele que é chamado pelos locais de “gaiteiro”. É chamado assim porque esta árvore possui a capacidade de se “mover”, em média um metro por ano.

Mangue "gaiteiro"
Mangue “gaiteiro”

O mangue “gaiteiro” tem várias ramificações no seu caule que chegam ao solo e que se fixam. Esses caules funcionam como se fossem “pés”. Muito lentamente esses “pés” morrem de um lado e nascem num outro, pelo que as raízes vão sendo renovadas e desta forma a árvore “move-se”.

Também na baía de Suape encontra-se o Complexo Portuário que é o mais completo da região Nordeste do Brasil.

6 – Tem várias praias que são piscinas naturais

Na costa de Cabo de Santo Agostinho existem nove praias, a de Paiva, Itapuama, Pedra do Xaréu, Enseada dos Corais, Gaibu, Calhetas, Paraíso, Praia do Cabo de Santo Agostinho e Suape. Algumas delas têm ondas e são perfeitas para desportos radicais, como é o caso da praia de Gaibu e de Itapuama.

Praia Gaibu
Praia Gaibu
Praia Gaibu
Praia Gaibu

As restantes são mais calmas, pelas suas caraterísticas e pela existência de arrecifes. Estes são autênticos muros naturais que existem na praia e que criam condições para que o mar da praia seja uma piscina. De água quente e cristalina… Um paraíso.

A praia de Suape por exemplo, tem um extenso arrecife e na maré baixa é possível caminhar sobre essa barreira natural. É uma experiência fantástica andar sobre uma formação rochosa como esta e observar os corais e os peixinhos.

Peixinhos no arrecife da Baía de Suape
Peixinhos no arrecife da Baía de Suape
Arrecife da Baía de Suape
Arrecife da Baía de Suape

Recomendo ir até ao Bar do Doido no Sitio da Pedra Alta (Suape), para apanhar um barco e fazer um passeio pela zona. Andar pelos canais do rio e ver os manguezais, pela baía de Suape e parar no arrecife. Depois regressar para passar o resto do dia no Bar do Doido onde pode comer, beber e simplesmente relaxar numa das redes. Vale mesmo a pena.

7 – Tem uma praia considerada por muitos uma das melhores do Brasil

Uma das praias do Cabo de Santo Agostinho é a de Calhetas, considerada por muitos uma das mais bonitas do Brasil. É pequena mas o enquadramento paisagístico é lindíssimo. A baía encontra-se cercada de rochas, coqueiros e uma vegetação verde exuberante.

A totalidade da praia é ocupada pelo famoso Bar do Artur que é um local perfeito para sentir o bom ambiente que se vive nas praias desta região. Boa disposição, música convidativa e bons petiscos fazem com que apeteça mesmo ficar com os pés na areia. Também se encontram disponíveis desportos náuticos e uma descida de tirolesa até à praia.

Praia de Calhetas
Praia de Calhetas
Bar do Artur na Praia de Calhetas
Bar do Artur na Praia de Calhetas

8 – Tem duas praias com rochas vulcânicas com milhões de anos

Na época em que o supercontinente que existia ao sul da linha do equador se separou, afastando o Brasil de África, ocorreu uma intensa atividade vulcânica. E isto definiu todo o aspeto da linha de costa e faz com que as praias que existem aqui não se consigam encontrar em mais lado nenhum do país e talvez do mundo.

Dessa atividade vulcânica resultou o escoamento de lava que foi consolidada nas rochas que podem ser vistas nas praias do Xaréu e de Itapuama. No seu interior são rochas claras, mas no exterior são escuras, quase pretas. Recomendo a praia do Xaréu, também conhecida por Praia das Pedras Pretas, na maré baixa, para aproveitar a piscina natural que se forma.

Praia do Xaréu
Praia do Xaréu

Para mim foi incrível andar sobre estas rochas e imaginar que foi aqui nesta zona que o Brasil se separou de África.

9 – É possível fazer banho de lama que faz bem à pele

Muito perto da praia de Itapuama há um local onde é possível fazer banhos de argila (banho de lama), que se diz ser benéfico do ponto de vista estético e medicinal. Na lagoa existe uma argila branca designada por caulim que é utilizada em vários produtos como cerâmica, tinta, papel ou cosméticos, por exemplo. Ao entrar nesta lagoa vai fazer uma máscara de pele e de cabelo, vale mesmo a pena! A pele fica muito suave.

Vai ter de entrar na lagoa com cuidado para não escorregar, molhar todo o corpo e cabelo com a água e depois fazer um pequena bola com a argila suave que se encontra na borda. A que se encontra no fundo não tem as mesmas propriedades, nem a sua suavidade. Já fora da lagoa, é preciso esfregar todo o corpo e cabelo com a argila e deixar secar totalmente. Depois é só passar (friccionar) com a mão toda a área e passar o corpo por água doce, que também está disponível perto da lagoa, numa bica.

Lagoa de Itapuama
Lagoa de Itapuama

A poucos metros da lagoa encontra-se uma venda de vários artigos com argila, pode trazer e fazer a máscara em casa mais vezes.

10 – A gastronomia é maravilhosa

Eu estive cinco dias inteiros em Cabo de Santo Agostinho e comi sempre muito bem. Há muitos pratos de peixe e de camarão, frutos do mar, lagosta, caranguejo, tudo super fresco. Não pode deixar de experimentar os caldinhos de peixe ou de camarão e os sumos naturais que são deliciosos.

Tudo isto soube sempre melhor por ter sido servido normalmente em barracas na praia, onde almoçei com os pés na areia a meia dúzia de passos do mar. Sempre acompanhado de uma água de cocô, da qual sou totalmente fã.

Para a sobremesa recomendo sempre que possível açai, sendo o meu preferido o natural, que tem um sabor um pouco ácido, mas agradável.

Do que está à espera?

Eu viajei a convite da Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho, mas todos os meus comentários são independentes.



Dicas para ir até Cabo de Santo Agostinho

(Se fizer as suas reservas através destes links, não paga mais nada por isso e eu ganho uma pequena comissão, o que é determinante para eu continuar a escrever sobre viagens. Obrigada!)

Como chegar e se deslocar: De avião até Recife e depois o melhor a fazer é alugar carro, que lhe dá mobilidade para percorrer toda a região do Cabo de Santo Agostinho. A viagem desde o Aeroporto de Recife demora cerca de 30 minutos, na grande maioria em auto-estrada, sendo os ultimos quilómetros numa estrada nacional.

Onde dormir: Há muitas possibilidades de alojamento no Cabo de Santo Agostinho, escolher vai depender muito do que der prioridade. Vou recomendar três, que eu experimentei.

Para dormir com o pé na areia, num sitío com movimento à noite: Namoa Pousada

Para ficar num casa familiar e sentir o ambiente rural: Pousada Senhora do Engenho

Se quiser optar por um local mais luxuoso: Intercity Suape Costa Dourada

Namoa Pousada
Namoa Pousada
Pousada Senhora do Engenho
Pousada Senhora do Engenho

Onde comer: Se estiver para os lados de Calhetas tem mesmo de ir ao Bar do Guaiamum. A comida é mesmo fantástica e o staff é extremamente simpático. No Suape é obrigatório ir ao Bar do Doido e aproveitar as redes sobre a água…

Bar do Guaiamum
Bar do Guaiamum

Tours: Eu andei um dia inteiro de buggy com a Pinzon Turismo e tive a sorte de calhar com o dono, Roberto. Além de ser uma pessoal espetacular, super boa onda e prestável, sabe muito sobre a história de Cabo de Santo Agostinho e está sempre disponível a partilhar. Vale mesmo a pena.

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